Edição 55 – 6/5/2015
Um país chamado Brasil
Era uma vez um país pobre, muito pobre, mas onde havia um sentimento de cooperação e cumplicidade entre os seus cidadãos. As falhas existentes nos serviços prestados pelo setor público à população eram entendidas não pela inerente incapacidade desse setor público em prover bons serviços, mas simplesmente pelos poucos recursos disponíveis para cumprir essa tarefa.
Os mercados financeiros ainda não tinham atingido o grau de internacionalização e penetração nas economias ainda em desenvolvimento como nos dias de hoje. Quando se referia ao capital estrangeiro, pensava-se em investidores de fábricas ou operadores de ferrovias, entre outros. O discurso mais liberal defendia esse papel como importante não apenas para a criação de emprego e transferência de tecnologia, como também na desejável integração do país aos circuitos produtivos globais.
Em algum momento da nossa história, o fim do acordo de Bretton Woods, para alguns, a queda do muro de Berlim, para outros, essa forma de ver o mundo se alterou. Os defensores do liberalismo, agora financeiro, passaram a vender a verdade de que apenas com a liberalização dos mercados financeiros, as economias periféricas chegariam ao paraíso. O Brasil, tardiamente, aceitou essa verdade e, com ela, o pacote completo da dependência dos fluxos de capital externo, e pior: o do tipo mais arisco.
Após décadas como participante do grupo de países com as taxas de juros mais altas do mundo, e a consequente transferência de renda do setor público ao setor privado, via endividamento e corte de despesas em áreas essenciais como saúde e educação, a conta volta a aparecer. E com a conta a solução proposta por quem vendeu uma ideia agora não tão boa: vamos cortar despesas desse setor ineficiente: o público. Solução: o superávit primário para pagar os juros da dívida deve ser obtido a ferro e a fogo.
Como se não bastasse a disputa pela renda nacional sobre os que necessitam dos serviços públicos, a gigantesca maioria do povo brasileiro, o mesmo discurso recai agora, e em mais uma tentativa, sobre os trabalhadores do setor privado: precisamos aumentar o grau de flexibilidade do mercado de trabalho. O ato contínuo veio com a recente aprovação na Câmara de Deputados do PL que permite a terceirização de modo indiscriminado.
E o servidor do Banco Central, trabalhador também, em uma instituição que define quem ganha ou perde dinheiro na economia, o que ele tem a ver com isso?
A resposta veio na portaria do BC Nº 84.953, de 4 de maio de 2015. Essa portaria restringe o ir e vir dos servidores do BC em sua atuação no país. Essa foi a solução da direção do BC para os já muito baixos valores de diárias para quem fiscaliza as instituições financeiras: praticamente cortá-las.
Coincidentemente, e no mesmo dia, uma das maiores instituições financeiras do país divulga um dos maiores lucros de sua história, mesmo revisando para cima sua previsão de incremento das despesas de provisões para perdas com inadimplência em 2015.
Nesse longo caminho em que se vendeu que a “ineficiência inerente do setor público” é o maior de todos os males, os agentes do setor financeiro aferem os maiores lucros da história.
Em uma sociedade com visão solidária do século passado, alguém colocaria na pauta: antes de cortar dinheiro dos médicos e professores, vamos taxar os bancos.
Nessa sociedade do século passado, alguém desconfiaria de cortes que restringem a atuação de uma instituição que supervisiona um dos setores mais lucrativos da economia.
Os tempos podem ser outros, mas isso não enfraquece a luta de um sindicato que tem ciência do seu lugar na sociedade. A força do sindicato está na mobilização dos trabalhadores a ele ligado. Apenas juntos somos fortes.