PARA DIRETOR, ANTECIPAÇÃO DE RECURSOS PODE COMPROMETER INVESTIMENTOS
Autor: DANIELLE NOGUEIRA danielle.nogueira@oglobo.com.br
Após o Tesouro solicitar o resgate antecipado de R$ 180 bilhões emprestados ao BNDES, o banco avalia devolver só parte dos recursos. Para analistas, a devolução pode ser considerada uma pedalada fiscal. O BNDES já começou a analisar internamente a possibilidade de antecipar o pagamento de R$ 180 bilhões ao Tesouro Nacional. Segundo o diretor financeiro do banco, Carlos Thadeu de Freitas, estão sendo avaliados diferentes cenários. A preocupação do diretor é que a liberação antecipada de recursos comprometa a capacidade de financiamento da instituição, afetando os investimentos, num momento de retomada do crescimento econômico. Ele deixou claro que o banco pode chegar à conclusão de que vai devolver menos do que o pedido pelo governo ou mesmo que não devolverá nada neste momento.
O pedido de resgate antecipado de R$ 180 bilhões chegou oficialmente ao banco na semana passada e foi feito pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, e pela Secretaria de Orçamento Federal, do Ministério do Planejamento. Seriam R$ 50 bilhões em 2017 e R$ 130 bilhões em 2018, que ajudariam o governo a cumprir a meta fiscal nos dois anos. ‘A partir da avaliação técnica das repercussões financeiras e patrimoniais, os termos, os valores e as datas dos pagamentos serão analisados e definidos pelo Conselho de Administração do BNDES’, disse o banco em nota.
Segundo Freitas serão considerados três fatores: o cenário econômico, quais títulos podem ser devolvidos – uma vez que muitos papéis são usados em operações de hedge (operações para proteger aplicações e investimentos) -e a posição do Tribunal de Contas da União (TCU).
– Como o investimento caiu muito nos últimos anos, a tendência é haver um efeito mola agora, ou seja, a tendência é que os investimentos voltem a crescer, mesmo com a capacidade ociosa. A questão é se o BNDES vai poder financiar esses investimentos, caso antecipe o pagamento ao Tesouro – disse Freitas. – O banco tem boa vontade. Mas não há obrigatoriedade de devolução antecipada. Existe a possibilidade de não devolver ou de devolver menos que o pedido.
R$ 128 BI JÁ ANTECIPADOS
O Tesouro emprestou ao BNDES, via Títulos públicos, mais de R$ 450 bilhões entre 2010 e 2014 – há apenas uma captação em 1997. O objetivo era manter o investimento após a crise global de 2008. Isso acabou elevando a Dívida bruta brasileira. Os contratos preveem a devolução desses recursos até 2060, segundo dados disponíveis no site do banco. O que o Tesouro está pedindo é que parte desse pagamento seja antecipado, visando à redução da dívida, que supera 70% do Produto Interno Bruto (PIB).
Não é a primeira vez que o Tesouro faz isso. Já foram antecipados R$ 128 bilhões nos últimos dois anos. No fim de 2016, quando foram devolvidos R$ 100 bilhões, o país estava em plena recessão, e os desembolsos do BNDES despencavam. Isso acabou fazendo com que sobrassem recursos no caixa do banco. A avaliação do mercado é que hoje o BNDES tenha cerca de R$ 170 bilhões em caixa, mas técnicos do banco ponderam que uma parcela dessa cifra é carimbada ou já comprometida com linhas de financiamento.
Além disso, dizem esses técnicos, hoje, há restrições de algumas das principais fontes de recursos do BNDES, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é deficitário, e o PIS/ Pasep, cujos recursos foram liberados para saque pelo governo em agosto. Por outro lado, há uma avaliação de que a nova Taxa de Longo Prazo (TLP), que vai substituir a TJLP em 2018, aproximando as taxas dos empréstimos do BNDES às de mercado, vai reduzir a demanda por crédito e que, por isso, o banco poderia abrir mão dos R$ 180 bilhões.
Em nota, o presidente da Associação dos Funcionários do BNDES, Thiago Mitidier, disse que ‘a intenção da Fazenda e do Banco Central de desidratar o BNDES é tornar os investimentos de longo prazo no país dependentes do mercado de capitais internacional’.
Análise
‘Pedalada dourada’
Para analistas, devolução antecipada pelo BNDES viola a LRF
Para especialistas em contas públicas, a possível devolução antecipada de R$ 180 bilhões pelo BNDES ao Tesouro Nacional fere a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e pode ser considerada uma ‘pedalada’, da mesma forma que manobras contábeis mascararam as contas públicas no governo Dilma Rousseff, afastada em 2016.
Para o economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do Instituto Brasileiro de Direito Público (IDP), a operação é ‘uma pedalada dourada’, em referência à chamada ‘regra de ouro’, princípio constitucional que proíbe o Tesouro de se financiar para bancar despesas de custeio do governo:
– Não resta mais dúvida que o objetivo (do governo) é elevar as despesas de capital (alocando a antecipação para amortização da dívida) para contornar o preceito constitucional da regra de ouro. Se essa operação for chancelada pelos órgãos de controle, estará aberto um precedente grave, que fere não apenas a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas até o bom senso.
Para Afonso, a antecipação do pagamento ‘comprometerá a nação’, pois o crescimento econômico depende da elevação da taxa de investimento, que, por sua vez, dependeria de financiamentos do BNDES.
Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou as contas do governo Dilma devido ao atraso nas transferências do Tesouro a Instituições Financeiras, como Banco do Brasil, Caixa e BNDES, que tiveram de usar recursos próprios para honrar programas sociais, entre eles o Bolsa Família. É como se esses bancos tivessem feito um empréstimo ao Tesouro. Essa manobra contábil ficou conhecida como pedalada fiscal.
Para Amir Khair, ex-secretário de Finanças de São Paulo, a devolução antecipada de recursos pelo BNDES ao Tesouro também pode ser caracterizada como uma operação de crédito:
– A LRF proíbe que o governo se financie com entidades oficiais de crédito.
Procurados, o Ministério do Planejamento não respondeu ao GLOBO e a Fazenda disse que não comentaria o assunto. (D.N.)
Fonte: O Globo