Rosane Menezes Lohbauer
A recém-promulgada Lei federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, já nomeada Lei Anticorrupção, veio suprir importante lacuna de nossa legislação. Muito embora tenhamos uma gama significativa de leis e normas vigentes no Brasil, não existe um mecanismo efetivo de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção. O texto, que entra em vigorem 29 de janeiro de 2014, dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos—de corrupção—contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Sabe-se que as penalidades impostas pelo Código Penal recaem somente sobre pessoas físicas (ou pessoas naturais), afastando as empresas da discussão, que acaba recaindo no agente público corruptível e a pessoa física que agiu no papel de corruptor, mesmo que por ordem ou política de seu empregador. Já a Lei de Improbidade Administrativa está mais voltada ao controle de atos praticados pelos agentes públicos e depende de alguns fatores para responsabilizar pessoas jurídicas corruptoras, como tipo de ilícito cometido, e o papel da empresa e do servidor público envolvido no ato irregular.
Ainda há a Lei de Licitações, restrita aos atos praticados em procedimentos licitatórios ou nos contratos deles decorrentes. Suas penas, contudo, nem sempre conseguem reprimir a prática de novos ilícitos. A nova lei, nesse cenário, pretende suprir essa lacuna e criar um mecanismo eficiente de combate e repressão à corrupção, seja na administração pública brasileira, ou a praticada por empresa brasileira envolvendo administração estrangeira.
Esta preocupação comas administrações estrangeiras — situação pouco vislumbrada em outras legislações nacionais — se justifica principalmente por duas razões: primeiro, porque o Brasil foi signatário e já internalizou (Decreto nº 3.678/00) a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE, pela qual assumiu o compromisso de combater a corrupção de funcionários públicos estrangeiros.
Segundo, o país passa agora a contar com uma legislação que segue padrões dos EUA (o famoso FCPA) e do Reino Unido (UK Bribery Act), proporcionando maior conforto para que investidores estrangeiros tragam capitais para o Brasil. Isso porque, ao combater a corrupção de maneira clara e rigorosa, confere-se maior segurança aos estrangeiros, especialmente aos que estão sujeitos às leis acima mencionadas, pois estas inibem e reprimem rigorosamente qualquer relação coma corrupção.
Mas a nova legislação não merece só elogios. Ao levarmos em consideração sua relevância para toda a economia e especialmente para aqueles que possuem relações ou negócios com o governo (nacional ou estrangeiro), notamos que o tema merecia maior cautela em certos aspectos. Para exemplificar, podemos questionar a permissão para a Administração Pública desconsiderar a personalidade jurídica de empresas suspeitas de corrupção, assim como a amplitude e abstração conferidas ao rol elencado no art. 5º da nova lei, tipificando o que será considerado ato lesivas em materialização da corrupção.
Especialmente o inciso IV, alíneas ‘f’ e ‘g’ do mencionado artigo merecem bastante atenção, haja vista descreverem situações vivenciadas com frequência nas contratações administrativas. Em um dos casos (“f”), reprime- se a modificação ou prorrogação contratual sem respaldo em edital, contrato ou lei. No segundo (“g”), o ilícito consiste na manipulação ou fraude do já abstrato conceito de equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Deve-se ter em mente, olhando somente para estes dois casos, que tais situações — alterações, prorrogações e o equilíbrio contratual — são corriqueiras, principalmente em projetos de longo prazo e grande vulto. Além disso, esses temas são objetos de diversas discussões em direito administrativo e na própria Administração Pública. Tratá-las de modo tão abstrato pode inclusive dificultar o sucesso de projetos e empreendimentos relevantes para o país.
O objetivo principal da Lei n°12.846/13 é punir pessoas jurídicas que atentarem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. A postura adotada é bastante rigorosa à corrupção, o que inquestionavelmente é louvável.
Contudo, alguns aspectos específicos da lei merecem bastante atenção na regulamentação a ser realizada e, principalmente, na aplicação e interpretação a serem conferidas a partir da vigência e efetiva utilização da lei. Esta não é uma solução à corrupção, mas pode trazer benefícios ao Brasil, caso consigamos sua correta aplicação.
Rosane Menezes Lohbauer e Rodrigo Sarmento Barata são, respectivamente, sócia e associado do escritório Madrona Hong Mazzuco — Sociedade de Advogados (MHM)
Fonte: Brasil Econômico