Ajuste fiscal de 2015 é mais complexo

    GABRIEL LEAL DE BARROS

    O ajuste das contas públicas, necessário e que deverá ser feito a partir do próximo ano, é não só desafiador como mais complexo do ponto de vista econômico e sociopolítico do que episódios semelhantes da história recente. Isso ocorre não só em função do novo arranjo social do país como também da pressão política que a “nova classe média” adicionou ao sistema de representação em junho de 2013. Com as conquistas sociais de certa forma bem consolidadas, a “demanda das ruas” pressiona pelo retorno não monetário da elevada carga tributária (em torno de 36% do PIB), em termos de qualidade na prestação dos serviços de utilidade pública.

    Além dessa nova e ativa pressão sociopolítica, outras duas restrições estão presentes e fazem com que o ajuste fiscal seja bem mais complexo do que foi no passado (1999, 2003 e 2011). Uma delas é indubitavelmente o limitado espaço para continuar aumentando a carga tributária, pois a sociedade já mostra enorme fadiga em pagar mais do que os elevados 36% do PIB de fardo fiscal. De forma adicional, as decisões de política industrial e o papel do BNDES no financiamento de inversões privadas de longo prazo possuem íntima relação com decisões sobre a tarifa socialmente ótima e aceitável, bandeira de destaque das manifestações de junho do ano passado.

    Ou seja, essencialmente há maior complexidade em torno da economia política que as decisões econômicas envolvem. Não bastassem esses três principais pontos, o país tem que reativar a agenda de reformas para retomar a trajetória de crescimento, produtividade e redução da desigualdade de renda, esta ainda bastante imoral. Na pauta, reformas fundamentais como tributária, previdenciária, política e da capacidade gerencial, relativa à gestão das políticas públicas do Estado.

    O resgate de credibilidade da política econômica não será fácil para ninguém e deverá ser tão bem-sucedido quanto mais competente for o trabalho de reestruturar por completo o equilíbrio e a transparência das contas públicas. Para tanto, a identificação de qual é efetivamente o conjunto de novas demandas que aflorou das ruas em junho de 2013 é peça central nesse novo plano de voo.

    Tão importante quanto essa leitura talvez seja compreender que as 32 milhões de pessoas que passaram a integrar as classes médias (A, B e C), bem como as 19,3 milhões que saíram da pobreza, são hoje grandes demandantes de segu- rança, mobilidade, educação, saneamento, enfim, serviços públicos em geral. Ou seja, a tradicional política de transferência monetária de renda já não atende os anseios e as expectativas dessa parcela da sociedade.

    A nova orientação de política deve estar atenta a essas mudanças e compreender que a nova diretriz da política fiscal deve ser direcionada para a transferência não monetária de renda, em que a garantia de igualdade de oportunidades deve e pode ser buscada pela via da maior qualidade na porta de entrada do sistema público. Em suma, a agenda para os próximos dez anos é certamente de melhoria da Gestão Pública, em todas as esferas de governo.  

     

    Gabriel Leal de Barros é pesquisador e economista da FGV/lbre

    N. da R.: Paulo Guedes, excepcionalmente, não escreve hoje

    País tem que reativar a agenda de reformas para retomar crescimento

     

    Fonte: O Globo

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