A RESSUREIÇÃO

    Aluguei o filme “Fim de linha”, no qual a Júlia Roberts e os seus amigos médicos provocam mortes e ressurreições artificiais, para que posteriormente, o  “ressuscitado” descreva para os demais qual é a sensação de ter ido pra o além.  O desenrolar da história me fez lembrar que eu também já morri! É verdade! Fui lá em cima e voltei! Creio que fiquei morto de dois a três segundos. Assim: Adolescente em Friburgo possuía como amigos inseparáveis o Luiz Henrique (Luizão) e o Fernando Boca. Luizão morava num prédio, não tão distante assim das nossas casas, onde aconteciam várias atividades, inclusive a exibição de filmes e vivíamos lá assistindo as sessões. Numa dessas idas, paramos, eu e o Boca,  em frente a uma pastelaria para conversar com duas moças que, como se dizia, estavam nos dando “bola”. Depois da conversa é que percebemos encontrarem-se na porta do estabelecimento um grupo de  rapazes, mais fortes, mais altos e mais velhos do que nós e que,  além de afirmarem que as tais as “raparigas” eram “casos” deles, recomendaram-nos  a desistir do futuro encontro. Silenciosamente ouvimos as ameaças. Andamos um pouco e a uma distância considerada distância prudente gozamos da cara dos sujeitos, inclusive com palavrões.   Mas, nessa noite Fernando não gostou do início do filme e resolveu ir embora. Não vi problema em permanecer e voltar sozinho.   Conhecia cada rua como a palma da minha mão e a cidade permitia que se voltasse para casa, só, a pé e a qualquer hora. Quando resolvi regressar, o frio deveria ser de cinco graus, chovia fino e a noite era um breu. A neblina havia baixado e não se enxergava dois metros à frente. Foi quando  me vi cercado por todos os lados. Um dos oponentes que, como todos se encontrava com a gola do grosso casaco levantado até o queixo, disse: – ” Você agora vai ver como a gente trata quem vive atrás das nossas namoradas e ainda nos xinga de longe. Você vai morrer desgraçado!” Petrificado, descobri no ato que eram os quatro sujeitos que havíamos xingado em frente da pastelaria. Olhei para os lados e não vi uma alma. Estava tudo deserto.   Num passe de mágica, surgiu das costas do que havia falado, uma mão enluvada portando um objeto pontiagudo que veio com toda força em direção ao meu estômago. A única reação que tive foi a de dobrar o corpo na tentativa de atenuar a força e o estrago que a “facada” iria fazer. Pronunciei uma última e única palavra: MORRI! Tudo ficou nublado no meu cérebro. Logo após, vi um monte de estrelas piscando à minha frente e agradeci a Deus por ter me levado para o céu. Pelo menos obtive esse consolo por ter morrido tão novo. Percebi também que as decisões divinas sobre o destino dos mortos são muito diretas e rápidas. Nem passei pelo purgatório!  “Foi brincadeira garotão! Não fica assustado não!  Não é uma faca, é só um pente! “. Disse-me o líder que, devido a minha reação, estava tão assustado quanto eu. O piscar das luzes dos letreiros de “néon” fizeram-me imaginar que estava perdido numa rua de Hong Kong. Corri ao encontro da claridade. Devo ter levado um ano num trajeto de cem metros. As ruas continuavam desertas. O fim do túnel apareceu num clarão de um táxi. Disparei até lá e solicitei uma corrida até à minha casa. Você vai pagar para ir daqui à “Henrique Zamith?” Vai a pé menino! È pertinho! Mas, percebendo  a minha agonia, o motorista disse: Entra aí! Te levo lá! É grátis! Abri a porta de casa de mansinho, me enfiei debaixo das cobertas de roupa e tudo e fiquei olhando o teto. O calor do beijo da minha mãe no rosto e tossido rouco do meu pai no outro quarto fez com que desconfiasse de que continuava vivo. Imaginei então que, se ao acordar no outro dia e essa impressão ficasse confirmada, poderia afirmar com certeza que havia ressuscitado!

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