“ANGU À BAIANA”

             Tempos atrás, do “alto desta coluna”, fiz um protesto contra a proliferação dos restaurantes a quilo, dos japoneses e dos vegetarianos e o conseqüente desaparecimento dos cardápios – até dos avisos a giz nas calçadas dos pés-sujos” – de pratos tradicionais como o bife de fígado acebolado, a pescadinha com arroz e brócolis, o lombo com feijão branco e outras delícias de nossa culinária afro-ítalo-franco-árabe-portuguesa.        Em 19/11/2007, o Joaquim Ferreira dos Santos, no “O Globo”, dirigiu-se aos jurados do Prêmio Rio Show de Gastronomia, para que, no ano que vem, não se esqueçam de visitar os restaurantes do Centro porque eles estão acabando. O mais recente foi o Penafiel. Assim, estão sujeitas à extinção, entre outras preciosidades, a língua defumada com purê, o cabrito com coradas e o arroz-feijão-ovo-purê-carne moída.        Eu tive uma convivência íntima com esses pratos tradicionais, confeccionados de maneira inigualável por minha mãe. Nos dias de “pobreza”, quando não havia dinheiro para a carne, o cardápio criado por ela era arroz e feijão, acompanhados por uns bolinhos de cenoura, de abóbora e de arroz, indescritíveis. Mas, nesses dias, o bom mesmo era um refogado de vagem com vagem, com gosto de picanha, para se comer rezando.         A fama de exímia cozinheira chegou aos ouvidos de um prefeito da cidade por várias vezes que, nos finais de ano, lhe encomendava o peru de Natal. Era um ritual: o bicho vinha vivo um mês antes. Por vários dias tomava uns goles de cachaça para amaciar a carne. E, depois de morto, ficava “descançando” no tempero para pegar gosto. Só então, era recheado com uma farofa seca e outra molhada. No forno, a iguaria, era virada várias vezes, de um lado para o outro e, introduzindo um palito no seu corpo, minha mãe verificava o seu cozimento e textura.         Hoje, os perus, com gosto de nada e sensação de estarmos mastigando um pedaço de borracha, são vendidos congelados nos supermercados, já vêm temperados e ainda – vê se pode! – apitam quando estão prontos! Ignora-se o talento e a criatividade culinária. Basta seguir as instruções impressas das embalagens.         Nos tempos de “riqueza”, o almoço de domingo, “lá de casa”, era digno dos deuses. O mais comum era o arroz, feijão com tudo dentro, macarronada e carne assada com batata corada. Para acompanhar, salada de alface e tomate. No arremate, doce de figo em calda. O macarrão e o molho eram feitos artesanalmente. A carne era fresca, vinha direto do matadouro. Nem tomava café da manhã! Guardava o estômago para a hora do almoço.         Tinha também os domingos de feijoada ou cozido, pratos que levavam tudo o que se pode pensar.  As feijoadas eram tão completas que, como diria Sérgio Porto, não faltava sequer uma ambulância de plantão.         Minha mãe, Dona Aracy, de vez em quando, fazia um almoço dominical que, além de me dar o fecho e o título da crônica, eu tinha mais prazer em ver o meu pai comer com satisfação e avidez do que propriamente saborear: o angu à baiana.         O prato me faz lembrar que, lá pelos anos 80, um conhecido, uma “figuraça”, resolveu surpreender a recatada esposa, na data do aniversário de casamento, com um "cineminha" e um “jantarzinho” fora. Na Cinelândia, foram assistir “O último tango em Paris”, de onde ela saiu “cuspindo marimbondo”. Fechando a noite com chave de ouro, sob um romântico luar, foram jantar em pé, na calçada, um suculento “angu à baiana” na carrocinha do “Gomes”, servidos naqueles pratos de alumínio reutilizáveis, que eram lavados num balde – justiça feita – em água trocada toda manhã.      

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