DÉMODÉ

    Quem se mete a escrivinhador, muito mais do que gostar, tem por obrigação ficar ligado nas palavras que estão na moda. Também é necessário estar por dentro de ortografia e gramática. Quesitos que confio ao corretor ortográfico automático dos micros e a uma amiga. Pelo que me lembro a primeira palavra que descobri como grande novidade foi “demagogia”. Mas, me amarrava mesmo era usar a sua derivação: demagogo. E como vivíamos o auge do golpe militar, período em que a corrupção se alastrou sob absoluto silêncio, classificar um político nessa condição era uma ofensa digna de duelo de pistola em praça pública. Desse tempo, gostava muito também de uma expressão muito utilizada pelo meu velho: “pra seu governo”.  Nessa época, no sentido contrário ao regime reinante, uma esquecida palavra começou a ser ressuscitada e sussurrada pelos cantos. Só aos poucos, com cuidado, se cristalizou e virou realidade: democracia. Outros termos como constituição e abertura passaram a fazer parte do vocabulário do dia a dia sem serem tão incomodados. Como não dá para quebrar lanças por minha memória, tenho a impressão de que paralelas ao advento da bossa-nova ou atreladas ao movimento, lá pelos anos 70, surgiram algumas palavras que se tornaram comuns: legal, bacana e chique. Da “oposição, ou seja, da Jovem Guarda houve a tentativa da imposição de uma expressão repetida à exaustão por Roberto Carlos, mas que nunca colou: “É uma brasa, mora!". Ainda sem poder bancar, minhas lembranças me dizem que, junto ao retorno do país ao estado democrático, não sei por que cargas d’água, a liberdade de expressão fez surgir o termo “a nível de”, que, segundo tenho notícias, está gramaticalmente errado. Mas, as discussões sobre as incorreções também surgiram “a nível interno”: em vários despachos exarados pelas chefias havia a recomendação da “agilização” do processo. Deu uma bulha danada!  Aliás, sempre que presenciava as discussões sobre o assunto, voltava ao tempo em que ouvia o noticiário das 18h da Rádio Friburgo, quando o locutor sempre informava que os dados foram “coligidos” por… A expressão me causava cócegas.  Apesar de serem do barulho, a maioria das palavras lembradas, já era. Tornaram-se démodé. São cartas fora do baralho. Com a reforma ortográfica, então, nem se fala! Segundo O Globo, a palavra mais em moda no jornal é ideia. As outras jóias dos noticiários são conseqüência (sem o trema no “u” que o corretor ortográfico – desatualizado –  insiste em colocar) e estrutura. Mesmo dispondo das duas ferramentas citadas (o corretor e a amiga), andei com a pulga atrás da orelha com relação a reforma. Contudo, agora, fiquei tranqüilo (sem trema no “u” que o corretor … bem. Você já sabe.) e estou mandando brasa. É que, pelo visto, algumas de suas regras são tão populares que podem ser aprendidas mole, mole enquanto se brinca o carnaval. Pelo menos este é o juramento pela mãe mortinha dos integrantes dos blocos “Não trema na lingüiça” (Rio e Olinda), que até agora não descobri se foram batizados de acordo com a nova ortografia ou ainda estão no tempo do onça. 

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