“ENTRE ASPAS”

    O Chico Buarque revelou várias vezes que, na construção das suas canções, a música vem sempre primeiro. Depois é que coloca a letra. Essa estratégia me causou estranheza, porque sendo o compositor, reconhecidamente, um letrista genial, julgava que seu processo de criação fosse exatamente o contrário.Guardadas as devidas proporções, eu também tenho a minha “receita” para escrever. A partir de uma idéia que “desceu redondo”, “construo” a crônica mentalmente: imagino uma introdução, “alinhavo” o “miolo” e, a partir daí, penso num “grand finale”. Só depois disso tudo é que vou buscar o título que, é claro, tem a ver com o assunto abordado. No entanto, é raro, mas acontece, essa procura exige um “suadouro” maior do que escrever o próprio texto. Outro detalhe é que, geralmente, depois que começo digitar a “sinopse”, o resultado final é completamente diferente do que havia imaginado inicialmente.Contudo, ultimamente, existe uma expressão, que vem freqüentando a minha cabeça insistentemente, sobre a qual eu não tenho a introdução, o desenvolvimento do tema e tampouco o final. Ou seja, eu tenho título, mas não tenho o assunto. É a expressão “entre aspas”.  Revi o livro de gramática e constatei que as aspas ou vírgulas dobradas são sinais de pontuação usados para realçar certa parte de um texto, destacar palavras e títulos de obras. Como procurava por “entre aspas” entrei no Google, onde é possível se descobrir tudo. No entanto, o mais interessante que consegui saber, foi que a expressão denomina um portal de conteúdo GLTBB. O TBB eu não sei o que significa, mas como desconfio do GL, abandonei a pesquisa.Na procura do porquê dessa estranha fixação, assisti a uma chamada na TV a cabo para um programa intitulado “Entre Aspas”. Esperançoso de que ali poderia estar a resposta que tanto queria, cumpri todo um ritual para assisti-lo: porta trancada, sozinho, em silêncio absoluto e luz apagada. Mas, “lego engano”, não deu em nada. Era apenas uma mediadora entrevistando, sobre um mesmo tema, dois debatedores. E o que foi pior, no dia em que assisti, os convidados não divergiram em nenhum momento de opinião. Uma decepção.Ainda na TV assisti ao ex-jogador e hoje comentarista de futebol Gérson, afirmar que um determinado jogador era um craque, para logo depois tentar consertar o que havia dito: – “quero dizer, fulano é craque, mas craque…”, deu uma parada e, a seguir, fez aquele gesto característico com os dois dedos indicadores das duas mãos que significam “entre aspas”. A partir daí, descobri duas verdades sobre o “entre aspas”: a primeira, é que à exceção de alguns palavrões que podem ser substituídos por gestos obscenos, a expressão é a única que pode ser entendida por acenos com os dedos. E a segunda é que, parte das palavras, ditas de viva voz ou escritas, se colocadas “entre aspas”, ganham significado contrário do que se não estivesse.Acabou o espaço e estou na dúvida se o assunto rendeu uma crônica ou uma “crônica”.

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