HAJA CORAÇÃO!

    O locutor Galvão Bueno da Rede Globo foi eleito o inimigo público número de inúmeros torcedores brasileiros nesta Copa do Mundo. Foi criado até o sitio "Eu odeio Galvão Bueno". Não jogo nesse time. Considero-o um locutor fantástico. Em  jogos do Brasil,   é como deve ser um torcedor fanático pelo seu país. Atropela os comentários e xinga o juiz. É parcial, emotivo, apaixonado e à flor da pele. Galvão Bueno é um locutor de rádio que narra jogos pela TV. Creio que seja esse o ponto onde pretendo chegar. Para tanto, vou utilizar parágrafos do texto "Caixa de Converso", escrito meses atrás, onde procurei estabelecer   diferenças entre a emoção proporcionada pelo rádio e pela televisão.  Em 1938, Orson Welles provocou pânico nos Estados Unidos ao narrar no rádio uma invasão de extraterrestres em Nova Iorque, denominada "Guerra dos Mundos". Welles foi tão verdadeiro em sua interpretação radiofônica que, mesmo após a pronta intervenção das autoridades desmentindo o fato  com veemência e firmeza,   passaram-se ainda algumas horas para que o país voltasse à normalidade. Lá pelos anos 60, nos finais de tarde, na minha casa,  para curtirmos a radionovela "Jerônimo o Herói do Sertão",  tínhamos que subir em dois tamboretes da cozinha para colar os ouvidos no enorme, pesado aparelho de rádio – um típico "rabo quente" – que  ficava em cima de uma prateleira a uns dois metros do chão. Anos depois a série veio para a Tv e conversando com a minha irmã, perguntei-lhe se aquele "Jerônimo" era o mesmo do rádio. Respondeu negativamente e ainda ponderou que não eram "suas" as moradias do herói, a cidade em que vivia e o seu cavalo. Concordou apenas que a "Aninha" e o "Moleque Saci" ficaram bem caracterizados. Lamentou a retirada, por conta de uma maior abrangência, do caráter nordestino que havia  nas histórias. Não era o caso. "Jerônimo" era tão somente e apenas um herói do sertão O rádio proporciona o privilégio a cada ouvinte de criar o seu personagem. Nosso cérebro é quem dá as cartas ao seu "bel prazer": podemos vê-los gordos, magros, altos ou baixos, brancos ou negros. A TV matou esse lindo exercício de imaginação. O rádio estava tão presente em nossas vidas que dos anos 70 até os 80,  quando ainda se podia se assistir um clássico de futebol no Maracanã, não era precisava estar portando um radinho para ouvir o que estava achando do jogo o João Saldanha. O eco das suas palavras tomava todo o estádio. Era tão incrível que poderia ter sido tese de profundos tratados sociológicos: as pessoas não acreditavam no jogo que viam. Precisavam ouvir o que o João Saldanha achava, para,  aí sim, chegar a uma conclusão. Locutores como o Galvão Bueno são atores radiofônicos inigualáveis! Criam uma atmosfera em torno de uma partida de futebol tão difícil de ser traduzida em palavras, que  só um exemplo ilustrado consegue demonstrar: puxe pela memória e vislumbre aquele premiado comercial do Credicard Mastercard em que um garoto no quintal da sua casa disputa sozinho contra um adversário imaginário uma final de Copa do Mundo, narrando cada lance como se fosse um locutor esportivo. Sem sonoplastia a peça publicitária não teria graça nenhuma.  A base desse tipo de comercial  está no som de rádio.  E aí, transforma-se no sentimento descrito pelo menino do filme: "Uma loucura!". E finalmente, conclui que, para se assistir a um jogo do Brasil com a narração do Galvão Bueno, são necessários pré-requisitos. O principal é de que: HAJA CORAÇÃO!    

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