IBM ESFERA

    Para um registro na delegacia, o sonolento policial sacou de uma jurássica e maltratada máquina de escrever Olivetti sem pintura e tampouco carcaça. A gasta fita de tecido prendia toda hora e as teclas tinham que ser literalmente batidas, porque já não tinham forças para chegarem até o papel. Depois que as respostas foram grafadas num apagado rubro-negro, falei: – "Tá na hora de vocês receberem um micro!”.  – "Nem precisava tanto! Bastava uma IBM esfera!" – Respondeu o homem.   Só aqui no Rio, em 1975, trabalhando com as Remigton 88 é que ouvi falar da IBM esfera. A empresa em que trabalhava havia comprado duas dessas máquinas. Na hora do almoço verificava-se uma romaria para conhecer a novidade. As IBM’s – utilizadas exclusivamente pelas garbosas secretárias dos diretores – tornaram-se a aspiração dos demais funcionários e viraram atrações turísticas. Ao tomar posse no banco em 1978, o chefe me olhou e decretou: “Você vai ser o meu secretário! O serviço é de datilografia que essa velha máquina elétrica aí não dá mais conta. Estou tentando trocar por uma dessas de esfera. Demora uns quinze dias”.   No dia seguinte meu coração quase saiu pela boca: repousava em cima da minha mesa uma IBM novinha em folha!  Imponente. Azul-marinho, quase negra. Se eu nada sabia sobre a máquina, o gerente muito menos. Cometia tantos erros no manuseio, que virei um especialista da máquina por aprender o que não deveria ser feito. Derrotado, o chefe retornou à sua sofrida Olivetti. Aposentaram-se no mesmo dia. Guardada as proporções, a IBM esfera representou uma revolução comparável aos atuais editores de textos. Obedecia ao mínimo toque. A fita corretiva sepultou o lápis borracha. Permitiu a troca de fontes. A esfera desmoralizou as teclas de hastes que – se acionadas com rapidez – sempre se enroscavam uma nas outras. Sem contar que gerava trabalhos impecáveis, de elegância próxima aos produzidos pelos micros. Um sonho!  Além de elevar o status, sua presença proporcionava glamour aos ambientes. A IBM fazia questão de conservar intacta a linhagem das suas máquinas. As visitas de manutenção exigiam requintes dos mecânicos: maleta 007, mão limpas, barba feita, cortesia, rapidez e nota fiscal. A liturgia do cargo estabelecia o uso de terno e gravata!  A IBM de esfera foi a máquina que melhor conviveu com quem gosta de cometer textos. Sabendo que o ato de escrever não é tão simples assim, nunca permitiu a exclusão de uma palavra com um simples toque como acontece nos micros. Fato que obrigava aos seus escrevinhadores a pensar e, conseqüentemente, escolher melhor cada palavra.

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