LÓGICA MEIO FASCISTA

    Há muitos anos atrás eu ouvi, certo dia, de uma pessoa, esta afirmativa: “Comigo é assim: amigo meu não tem defeito e inimigo, se não tiver, eu boto.”À época, bem mais jovem, eu não dei muita importância àquelas palavras. Aliás, com o tempo, conheci mais alguém que repetiu, exatamente igual, aquela assertiva, a qual  então passou a me soar mais como uma espécie de “sentença”. Depois, confesso que passei a repudiar a verdadeira intenção daquelas palavras. Se você está pensando tratar-se apenas de uma brincadeira, de algo sem qualquer sentido mais profundo, desculpe, mas acho que se enganou. Ouvi dos mesmos, outras vezes, a repetição daquelas palavras, inclusive em situações bem peculiares que traduziam perfeitamente a gravidade da intenção da referida afirmativa. Era para valer, mesmo.Se você ainda discorda de mim, por favor, vamos raciocinar juntos. É evidente que nossos amigos, todos, assim como nós próprios, terão sempre algum ou vários defeitos. A perfeição, humana, não existe. Não querer reconhecer isto é fechar os olhos e tapar os ouvidos, correndo o risco de fazer um julgamento injusto sobre alguém.Imagine que você, tantas vezes tendo condenado, por exemplo, a corrupção nos vários níveis de nossa sociedade, especialmente próximo ao poder, fica sabendo que aquele amigo, antes tido como acima de qualquer suspeita,  “pisou na bola”. É, admitamos que ele afinal se revelou também corrupto, se locupletou com dinheiro de outros, usando artifícios variados e se valendo do poder que ostentava temporariamente.E então? Depois de tudo provado e divulgado você ainda iria manter aquela assertiva e dispensar para tal pessoa a mesma amizade, a mesma consideração, o mesmo respeito anterior? Olhe, se o fizesse, ou se o fez, estará sendo injusto para com seus verdadeiros amigos que jamais o fizeram passar por tal situação vexaminosa, para dizer o mínimo. Pior, se tentar encobrir ou minimizar o golpe promovido por seu amigo ou amiga, porque não pretende ceder aos seus “princípios” (malditos, por sinal) poderá passar para outros a imagem de que poderia um dia fazer o mesmo, ou até de quem participou, direta ou indiretamente, dos atos de corrupção, de suborno, de perversão, daquela pessoa, embora não o tivesse feito. Mas, cuidado com o que diz. Não vê que ele, ou ela, pouco ou nada se importou com os “respingos” que infalivelmente acabariam caindo sobre as cabeças dos amigos e amigas e que pensou exclusivamente em si próprio? Se ele ou ela agiu assim provou claramente não ser amigo seu nem de mais ninguém, apenas dele mesmo, ou dela mesma. E você ainda faria festa para tal pessoa? Ainda lhe beijaria a mão? Ainda dividiria a mesa com ele ou ela? Ainda apresentaria essa pessoa como seu amigo, ou amiga? E os outros autênticos amigos seus que nunca apresentaram qualquer desvio de conduta?!Desculpe, mas jamais concordarei com isso. Para encerrar esta parte do meu raciocínio gostaria que me respondesse, com sinceridade, com honestidade, a esta pergunta: — como você pode se sentir com autoridade moral para recriminar terceiros, denunciados como corruptos, se abraça um, se aceita a amizade de um, se festeja este?! Resposta sem artifícios, por gentileza, ainda que difícil, reconheço.Vamos à segunda parte da assertiva em questão: então inimigo seu, ou pessoa de quem não gosta, se não tiver defeito, você inventaria alguns para o incriminar ou, no mínimo, deixá-lo em situação de inferioridade, ou ainda, ridicularizá-lo perante terceiros? Seria mesmo capaz?! Imagino se você fosse advogado, ou até mesmo Juiz, como poderia se auto respeitar falseando denúncias ou provas a fim de manter, radicalmente, aquele “princípio” de julgamento!! À paulista…: “urra meu…!!!”Custo a crer que você admitisse prestar, por exemplo, falso testemunho, ou ajudasse a forjar provas ou evidências contra alguém, em determinada situação, só para ser coerente com seu “princípio” de que… “inimigo seu se não tiver defeito você coloca.”  Outro dia vi um apresentador de TV, da Bandeirantes, em pleno programa, ao vivo, repetidas vezes, usar desta lógica que considero meio fascista. No meu entender há coisas que nunca se deveria dizer, muito menos publicamente, mesmo querendo dar a entender que aquilo não passa de brincadeirinha… Como se diz: brincadeira tem hora… e deveria ter escrúpulo.Não quero parecer amargo ou desagradável, todavia convenhamos que é difícil a gente conviver com quem consiga dizer, despreocupadamente, coisas como aquela sentença já que teremos sempre o direito da dúvida. Jamais gostaria que alguém, por mais amigo que seja, me considerasse, por exemplo, perfeito, o que não sou. Isso soa mais como bajulação do que como amizade sincera.Por outro lado, eu temeria sempre que um dia aquela pessoa acusasse alguém, do meu círculo de amizade ou não, de algo que ele não fez, tendo conhecimento de sua inocência, e motivado apenas por não gostar da outra pessoa.  Estarei sempre do lado da justiça, da verdade, jamais da denúncia revanchista e imoral, da delação irresponsável e sem provas. Desculpem, mas para mim aquela assertiva, ou sentença, tem mesmo conotações meio fascistas. Não se deve brincar com coisas assim. É a minha opinião.

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