MALUCO BELEZA

    Numa matéria do 2º caderno de O Globo, havia a dúvida sobre a autoria de determinado poema. Foi levantada a hipótese de que poderia ser o Gilson, um poeta de rua. Mas, houve quem negasse.  Do poema não lembro nem o nome, o que me interessou foi a citação ao Gilson, um antigo “maluco beleza”, poeta do centro do Rio, onde, nos tapumes e nas calçadas, escrevia versos a giz e, por isso, citado numa crônica do Carlos Drummond.Conheci o Gilson lá em Friburgo, onde ele morava próximo de mim e apostava que seu futuro seria o de regente musical. Pelo menos, naquela época, trocava à hora do almoço e perdia a hora de chegar em casa à noite,  para ensaiar um coral de crianças desafinadas. Perto da minha casa, aqui no Rio, vive outro “maluco beleza”: o Geraldo. Pode estar fazendo um calor senegalesco que ele está vestido de paletó e camisa abotoada até o pescoço.  Dos bolsos sobressaem enrolados velhos recortes de jornais e os dedos mostram anéis de vários tipos e tamanhos.  Arredio, não se intromete em qualquer discussão das mesas dos botequins que freqüenta, mesmo sendo abstêmio. Mas, sempre se permite dar a palavra final sobre o tema em pauta. A seguir, vai embora. Geralmente com toda razão. Do centro aqui do Rio tenho notícias de três “malucos beleza”: o primeiro deles ficou famoso depois que morreu: o Gentileza.  De bata e cabelos compridos, andava com uma tábua nas mãos, como se fosse o profeta Moisés. Escrevia suas mensagens de paz e amor em letras góticas nos pilares dos viadutos e eternizou o ensinamento de que “gentileza gera gentileza”.Os outros dois estão por aí: um deles, de estatura média, a tez pálida e careca, está sempre vestido com o desgastado terno azul-marinho. Pousa de despachante, percorrendo a Rio Branco.  Como toma muito sol, o seu rosto fica vermelho. E é aí que sempre aparece alguém para chamá-lo pelo apelido.  A escalada da repetição da sua alcunha pelos que habitam a avenida, faz com que o som de “camarão” ecoe alguns segundos pelo centro. O outro é o Araponga. Também de média estatura, calvície partindo da testa em direção a nuca, óculos escuros, carrega debaixo do braço uma bolsa “capanga”, denotando estar armado. Vive em “missão” pelo centro, estabelecendo-se nas portas das lojas comerciais, “vendendo” o estilo agente secreto. Seu estilo “James Bond” só se desmorona quando, ao sorrir, escancara uma arcada totalmente desprovida de dentes.Em Friburgo havia também o “Lulu carne-seca”, “maluco beleza” que nunca freqüentou os bancos escolares. Dizendo-se boxeador, estava sempre anunciando uma imaginária luta para breve. Como também era metido à intelectual, gostava de polemizar, mas escolhia os adversários: professores, jornalistas ou membros da Academia Friburguense de Letras. A maioria o ignorava. Mas, os que lhe tinham paciência, propositadamente e sabedores da sua reação, discordavam das suas opiniões. Era aí que Lulu, se distanciava um pouco do opositor, escolhia o espectador mais próximo, e, “do alto” do seu metro e meio, mirava-lhe bem no centro dos olhos e decretava: “discutir com analfabeto é uma merda!”.

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