MEMÓRIA E RECONHECIMENTO

    Um país que prima, lamentavelmente, por desprezar sua cultura, sua história, seu passado, não se diga que não tem memória. Eu me arriscaria a afirmar que muito nos falta é educação, que semeia a cidadania e, como conseqüência, o respeito às nossas tradições, além de plantar forte consciência de nossos problemas sociais e políticos. Então, hosana aos brasileiros e brasileiras que procuram preservar fatos, histórias, monumentos etc, contando através deles um passado indispensável para nos identificarmos no presente e projetarmos o nosso futuro. Essas pessoas existem. Já procurei, em várias oportunidades, contar-lhes histórias sobre a minha vida, especialmente dos 23 anos que vivi em minha terra natal, Belém do Pará. Mas, uma coisa é nós mesmos falarmos sobre o que fizemos, o que criamos, o que ajudamos a construir, outra, bem diferente, é vermos alguém procurar e encontrar aquele passado e o trazer à vista do presente comprovando que existimos, que fizemos, que criamos, que participamos sim do desenvolvimento, por exemplo, do rádio paraense. Quando a grande maioria daqueles com quem trabalhei entre os anos de 1954 e 1958, tanto na Rádio Marajoara, do grupo Associados, como na PRC-5, Rádio Club do Pará, de Edgar e Edyr Proença, já não se encontram mais nesta vida, fiquei muito feliz ao ler uma citação, num periódico de Belém, a mim enviado por minha irmã Maria Luiza, sobre uma parcela do meu trabalho no rádio paraense. Foi no “Jornal  Pessoal”, um “newsletter” quinzenal, criado e editado, já há 15 anos, pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto. Na seção  “Memória do Cotidiano”, entre outras notícias, ele registrou: “Rádio – O programa “Hoje tem espetáculo”, de Francisco Simões, estreou no auditório, lotado, da Aldeia do Rádio, no Jurunas, em novembro de 1957, sendo transmitido “ao vivo” pela Rádio Clube do Pará, a PRC-5. Participaram do primeiro programa, dentre outros artistas do cast, Amerina Teixeira, Lindolfo Pastana, José Maria Nobre, Miguel Cohen, Cláudio Barradas e Aurora Rocha.”        Tendo eu deixado o rádio paraense no ano de 1958 e estando longe de minha terra natal há cerca de 37 anos, foi inevitável receber com muita emoção aquele registro de um passado do qual falo habitualmente. Alguém valoriza o que outros parece que esqueceram. Mas, quem é Lúcio Flávio Pinto? Alguns de vocês devem conhecê-lo. Lúcio é paraense, nasceu na cidade de Santarém. Ele é jornalista profissional desde 1966. Começou suas atividades em “A Província do Pará”, que pertencia aos Diários Associados, tal como eu que iniciei minha vida profissional, aos 17 anos, em 1954, na Rádio Marajoara, integrante também daquele grupo. Posteriormente atuou no  “Correio da Manhã”, no Rio de Janeiro, já extinto.Lúcio Flávio Pinto percorreu a seguir as redações de algumas das principais publicações da imprensa brasileira. Ele trabalhou por 17 anos em “O Estado de São Paulo” e participou de alternativos tais como “Opinião”, “Movimento” e “Versus”.  Acabou fundando, ele mesmo, órgãos semelhantes, em Belém, como o “Bandeira 3”, no ano de 1975. Em 1988 tomou a decisão de deixar a chamada grande imprensa. Em seguida fundou e se dedica, até hoje, ao “Jornal Pessoal”, referido acima, e que Lúcio escreve sozinho. Mais recentemente criou também a Agenda Amazônica, mensário que durou dois anos, tendo sua circulação suspensa no final de 2001. Até há pouco escreveu uma coluna semanal sobre a Amazônia para o site da Agência Estado, do jornal O Estado de S. Paulo. Uma pessoa de minha inteira confiança asseverou-me outro dia: “Já transcrevi palestras dele e, como já lhe disse antes, ninguém, mas ninguém mesmo conhece mais a Amazônia do que o Lúcio Flávio, pode ter certeza, amigo.”No jornalismo, Lúcio Flávio Pinto recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos Jornalistas, que em 1988 considerou o Jornal Pessoal a melhor publicação do Norte e Nordeste do país. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per la pace, juntamente com o deputado da Irlanda do Norte John Hume, que, no ano seguinte, ganharia o Prêmio Nobel da Paz. É sociólogo, formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1973). Foi professor visitante (1983/84) do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade da Flórida em Gainesville, EUA. Foi professor visitante no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e no Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará.Há mais ainda a se dizer sobre este brilhante jornalista, seguindo seu excelente currículo, sua elogiável biografia, sua enobrecedora trajetória profissional. Tem dez livros individuais publicados, todos sobre a Amazônia, os últimos dos quais são: Hidrelétricas na Amazônia, Internacionalização da Amazônia e CVRD: a sigla do enclave na Amazônia. É co-autor de numerosas outras publicações coletivas, dedicadas à Amazônia e ao jornalismo. Já participou, como conferencista, de dezenas de encontros dedicados a temas amazônicos, no Brasil e no exterior. Participou, em Paris, em 1990, da sessão do Tribunal Permanente dos Povos dedicada à Amazônia.Como todo grande homem, Lúcio Flávio, em sua modéstia, disse-me, ao comentar  todo este perfil que dignifica qualquer profissional, tratar-se “apenas” de um  perfilzinho…  E eu não me referi a ele apenas como uma espécie de agradecimento pelo que, no mergulhar na memória do tempo, trouxe à tona para a lembrança de muitos, não. E eu tenho na vida, como uma de minhas maiores paixões, justo o rádio.Pretendi, sim, registrar um merecido reconhecimento a tanto mérito que, em nosso país, não muito raramente, é lançado ao cesto do ostracismo.

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