MULHERES IRAQUINAS

    Os atentados diários sofridos pelos soldados americanos no Iraque não são as únicas seqüelas deixadas pela invasão americana àquele país. Há muito mais. A constatação da instalação de uma baderna cívica e moral em terras iraquianas foram descritas porSuzanne Goldemberg para o The Guardian e  transcrita há pouco pelo JB. Em Bagdá a ocupação americana no pós-guerra tem sido conduzida dentro de uma explosiva taxa de criminalidade, capaz de espalhar destruição por áreas outrora tranqüilas numa libertação às avessas onde as maiores vítimas são as mulheres. A cidade permanece consumida por pensamentos de vingança contra os integrantes do Partido de Saddam Hussein e cada vez mais entre gangues rivais. Diferenças são acertadas pelo rapto e pelo estuproNo meio da falta de leis reinante em uma cidade de cinco milhões de habitantes, com uma incipiente força policial, o horror para as mulheres tem sido particular. O crime organizado ressurgiu controlando desde o tráfico de drogas ao roubo de carros – como também o tráfico de mulheres. Uma comerciante está vendendo seu salão de beleza. Em um mês ela diz que uma aprendiz com quem trabalha, escapou de ser capturada, um cliente foi ferido em outra tentativa de seqüestro e uma de suas funcionárias foi arrastada pelos cabelos por uma gangue e estuprada. Na vizinhança, um antes respeitável café passou a abrigar quatro prostitutas. Há poucas semanas quatro homens armados invadiram o café e as arrastaram pelos cabelos até um carro. Mulheres são seqüestradas e vendidas para a prostituição por R$280, 00 ‘a unidade’, segundo a polícia. O medo de passar por um destino semelhante tem mantido as iraquianas presas entre quatro paredes. Quando as escolas foram reabertas, em outubro, as salas de aula estavam metade vazia. As meninas ficaram em casa. Seus pais foram forçados a escolher entre a educação e a segurança. Sob a ocupação americana, mulheres que trabalham conseguiram rearrumar suas vidas, deixando de usar o hijab (véu) pela primeira vez, ou viajando com os parentes homens. Poucas se aventuraram a afastar-se disso. Uma dentista desistiu de andar de ônibus e contratou um motorista para levá-la à clínica onde trabalha. Outra deixou de dirigir e pediu aos pais para que a levassem em suas saídas. “Estamos em prisão domiciliar” – sentenciam. O grande horror em uma sociedade como a iraquiana, é que a reputação familiar é medida pela virtude delas. Se uma é suspeita de transgredir os códigos sociais, sofre conseqüências severas por trazer vergonha aos parentes. O código pode até ser aplicado em caso de estupro. Elas podem ser mortas pela própria família para resguardar a reputação do clã. No mês passado foram abertos cerca de 50 inquéritos para investigar mortes suspeitas de mulheres, vítimas do estupro propriamente ou do ‘assassinato por honra’. Este ano o serviço de atendimento ao telespectador da Rede Globo, viveu congestionado por protestos à discussão promovida pela emissora, através da novela “Mulheres apaixonadas”, dos diversos tipos de violência e discriminação que sofre o sexo feminino no Brasil.  Comparado ao drama vivido pelas mulheres iraquianas, a distância é tão grande que o folhetim, se exibido no Iraque, provavelmente será classificado como “água com açúcar”.

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