NEM TUDO É BEM COMO PARECE

    É isso aí, gente boa. Você, apesar do tempo que já passou, apesar dos anos que desenharam uma estrada longa e tranqüila, se sente muito bem, nenhuma queixa. Caminhadas quase diárias, abdominais, entre outros exercícios que o fazem sentir-se cada dia mais confiante. E para completar o quadro elogiável, uma alimentação mais do que sadia, e nada de cigarros nem de álcool.  Refrigerantes reduzidos ao mínimo, no consumo, logo você que foi quase que amamentado com eles, já que seu avô foi um pioneiro naquela indústria no país. E olhe que o tal guaraná e a kola que seu avô criou ganharam prêmios pelo mundo afora, Europa, EUA, etc e tal, inclusive pelos efeitos benéficos daqueles produtos para a saúde. Você nunca esqueceu. Ele era um senhor químico industrial, dos melhores. Claro que de há muito no ramo dos refrigerantes a qualidade está muito mais na propaganda enganosa do que propriamente no produto, no líquido que você e tantos milhões ingerem diariamente. Não se iluda, as “diferenças” mais tentam justificar “superioridade” na guerra de concorrentes do que visam a sua saúde. Hoje você mais bebe água e sucos, e creia, faz muito bem. Não ligue para as discordâncias, elas vão acontecer sempre, seja qual for o tema, seja qual for o assunto. Atenção, porém, para os conselheiros que costumam sacar da manga, ou da língua, sugestões, algumas vezes bem intencionadas, mas que não servem para você. Siga rigorosamente o seu atual plano de vida, em todos os sentidos. Sua pressão, medida regularmente, o deixa tranqüilo, e ao seu médico, que o assiste há uns 40 anos, também. O que mais o incomoda é aquela rinite alérgica, antiga, que tem, posso dizer assim, a sua idade, ou sete décadas. Mas isso você vai tirando de letra. Já a incorporou completamente. Só pode tomar banhos frios, e você nunca reclama disso. Por sinal banho frio dizem que é muito mais saudável. È duro, entretanto, quando no inverno, com temperaturas baixas, sua cabeça mergulha no chuveiro de água gelada. Mas, até com isso você já se acostumou. A sensação ao sair do banho é ótima, sem dúvida alguma. Seus resfriados alérgicos duram, no máximo, 24 horas. Só isso. Você sempre preferiu conviver com eles, eventualmente, do que se arriscar com vacinas que tanto apregoam livrar as tais “pessoas idosas” de resfriados. Nada contra, porém você tem o direito de dizer não, ou não tem? Alguns exemplos de pessoas que tiveram reações nada agradáveis mais o animaram a deixar a coisa como está.   Seu único erro foi ter confiado demais nos exames de sangue, no bem estar após os exercícios, na falta de sintomas que aconselhassem a uma revisão da “máquina” periodicamente. E seu médico tanto insistiu: “vá a um cardiologista só para conferir, uma ou duas vezes ao ano”. Mas aí, sua teimosia ou excesso de confiança foram maus conselheiros. Você acabou descobrindo, num susto, que nem tudo é bem como parece. Três dias seguidos fazendo demoradas caminhadas, numa boa, e no quarto dia a surpresa. Ao deitar sua cabeça no travesseiro para dormir teve a impressão de que haviam colocado um peso imenso sobre o seu peito. Assim, de repente, sem qualquer aviso. Não houve jeito de conseguir dormir, nem sentado. Você descobriu então que nem sempre o tempo passa tão rápido, e aprendeu de uma forma bem amarga. Você, que estava só, sentiu ainda mais o peso da solidão, do silêncio, naqueles dias. Sua ansiedade disparou a pressão arterial. Por nunca ter ido a um médico em sete décadas, com exceção do que o trata há uns 40 anos tal como médico de família de antigamente, você se sentiu perdido, sem ação, e estava só. Aí entrou em ação sua melhor amiga e o intimou, corretamente, a uma consulta com uma excelente pneumologista. Você, burramente, ainda hesitou, mas acabou cedendo, felizmente. Foi a sua sorte. Pulmões plenos de líquido, coração com ventrículo aumentado, respirando com dificuldade, parecia ter mergulhado de repente num filme de terror, sendo você o personagem central. Do raio-x para o cardiologista, que você nunca visitara na vida, foi um pulo bem rápido. Seu eletrocardiograma foi desanimador. Você julgava estar vivendo uma situação de pesadelo, acordado. Pois é, sêo teimoso. Exames solicitados, recomendações de suspender toda e qualquer atividade física, fizeram-no sair do consultório qual um velho decrépito, a se apoiar na amiga como se nem tivesse forças para andar. Bem, aí entrara em ação o seu “vago antipático” aliado a uma prostração injustificada, mas não para você. O mundo parecia diferente. Dias depois, exame de sangue feito, ecocardiograma também, e o retorno ao  cardiologista, até então olhado por você qual um carrasco, mas em seu benefício. No meio de tudo a ansiedade e o carnaval. Finalmente um sorriso, expressão de alívio, sua, de sua amiga e do médico. No exame de sangue você, o setentão metido a super homem, deu um show. Resultados absolutamente normais e colesterol em 153, assim como triglicerídeos em 157… meu Deus, a comemoração foi total, até do médico. Faltava o laudo do eco. Numa vista d’olhos que você dera, sentira que havia problema, mas não para um grande alarme. O médico conferiu tudo com muito cuidado e sentenciou: “Bem, como eu já previra antes, há uma insuficiência cardíaca, mas nenhum problema de artérias nem maiores males ao coração.” E finalizou afirmando: “Uma tendência à hipertensão, que já deve vir de alguns anos, teve muito a ver com isso. Você até que deu muita sorte, amigo.” Você lembrou que este véio coração já amou muito, já sofreu demais, e agora ainda busca renascer na felicidade pela solidariedade. E ele precisa de tempo para realizar ainda vários planos de vida, de uma nova vida que já renasceu duas vezes mais. Seguindo rigorosamente as recomendações médicas você agora se recupera rápido.  Olha, vê se cria juízo e os conselhos que você dá aos outros que sirvam também para sua cabeça que afinal não foi boa conselheira relativamente à sua saúde nesses anos.

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