NO CAMPO DE BATALHA

    Hoje eu volto a lhes contar mais algumas histórias do tempo em que eu servia no CPOR, em Belém do Pará, ano de 1955. Nós fôramos acantonar na Ilha do Mosqueiro. Suas praias são todas de água doce visto ela se encontrar banhada pelas águas da Baía de Guajará. Mas, nós não estávamos lá para veranear, absolutamente. Na programação de nossos oficiais constava uma “guerra”, então nosso grupo fora dividido em dois. Acantonar significa dormir em melhores condições do que acampado. Nos haviam instalado em um grande galpão, sem camas, pois dormiríamos em nossos sacos apropriados, cada um no seu… saco, claro.  Eu carregava sempre o meu radinho de pilhas. Quando não estávamos em atividade, ali pelas 18 horas, eu gostava de ouvir as crônicas que deixava gravado na rádio para a qual trabalhava. Habitualmente um pequeno “auditório” de companheiros me prestigiava, ouvindo junto comigo. No raiar do dia seguinte saímos marchando rumo ao “campo de batalha”. Entramos mato a dentro e logo percebemos que o tempo conspirava contra nós. A marcha começara com passos secos, mas logo nossas pegadas ficaram bem encharcadas. Chegados ao local determinado por nosso oficial comandante começamos a cavar trincheiras. O terreno molhado dificultava nossa tarefa. Logo iniciamos exercícios de rastejar, com uniforme completo, botas e uma espingarda nas mãos. A lama não sabia bem… Felizmente o exercício não foi dos mais demorados. Passamos para uma espécie de tiro ao alvo e a munição era de verdade. Diga-se que o local era destinado somente a este tipo de atividade do CPOR. As horas voaram e logo a noite se fez presente. A ordem era dormir nas trincheiras. Saudade de minha cama quentinha, em Belém, na Av. Tito Franco, 371! Nossos superiores dormiam em barracas de campanha, bem acomodados. Em cada trincheira ficaram dois soldados. Ali ou se dormia sentado ou em pé. Lembrei que em casa me diziam ser necessário passar por aquilo para aprender a ser homem. Diziam sim, mas tenho minhas dúvidas, até hoje.  Nós não conseguíamos pregar o olho, como se diz, além de enfrentarmos uma batalha extra com os mosquitos e o sereno. A certa altura eu e o meu companheiro de trincheira  decidimos ir até uma espécie de palhoça que víramos no meio do mato. Cometemos uma indisciplina que poderia ter-nos custado um castigo dos bons. A palhoça parecia abandonada e assim entramos e, com ajuda de lanternas, procuramos ver como poderíamos dormir ali, apenas umas poucas horas, pois deveríamos voltar à trincheira antes do amanhecer. Havia uma pequena mesa velha, e meio quebrada, um baú meio grande, mas pequeno demais para se dormir sobre ele e o chão estava mesmo sujo. Num canto existia uma cama, sem colchão, e com um estrado que tinha, na parte de cima, apenas uma espécie de arame grosso todo entrelaçado. Entre bancar o equilibrista sobre o baú, ou encarar baratas e lagartixas no chão, escolhemos … a “cama”. Mais confortável do que a trincheira, lá isso era. Deitamos e apagamos as lanternas. Caramba, como doía aquele arame a futucar nosso corpo por todo lado… Mudar de posição era um suplício. Acabamos dormindo… de cansaço. Na manhã seguinte, já de volta à trincheira, sentimos que ninguém percebera nossa fuga noturna. Ah se o capitão Peri soubesse… constaríamos do cardápio do  almoço, com certeza. Naquele dia teríamos um exercício usando morteiros. A munição era de verdade. Morteiro é um canhão curto que lança projetis com grandes ângulos de elevação. Nos competia fazer os cálculos para os lançarmos aos alvos combinados. São Pedro continuava interferindo em nossos exercícios. Após feitos os cálculos, um de nós pegava a munição com as mãos, a colocava na boca do morteiro e após um grito de … “fogo”… a largava. Ao tocar no fundo do morteiro a munição detonava e o projetil subia zunindo na direção do alvo. Aguardávamos a explosão e preparávamos outro tiro a seguir. Assim faziam todos numa linha de morteiros, lado a lado. O exercício ocorria satisfatoriamente quando, de repente, alguém gritou: “Cuidado, todos no chão.” Obedecendo cegamente atiramo-nos à lama e alguns se jogaram dentro das trincheiras. Houve um silêncio de uma espera ansiosa. Ninguém nem respirava. O sargento deu a ordem: “Continuem deitados, ninguém se levanta.” O que ocorrera? Pois eu lhes conto. Um dos projetis, justo do morteiro ao meu lado direito, já partira meio “sem vontade” de subir, rapidamente reduziu a velocidade e… pimba, veio ao solo a poucos metros de onde todos se encontravam. Embicou na lama e não explodiu. O risco era grande. Ninguém falava. Um oficial mandou o sargento, perito em montar e desmontar projetis, ir até o local com um soldado, voluntário, que o ajudaria na árdua tarefa de retirar a espoleta, desarmando a munição. O trabalho exigia perícia, calma, e habilidade. Passados alguns minutos de angústia, quando todos nós permanecíamos deitados no chão, o sargento fez um sinal de “ok”.  O perigo terminara, o projetil fora desmontado, graças a Deus. “Viva o sargento Onça”, desabafamos baixinho. Depois concluíram que a munição era bem antiga. Afinal, depois de alguns dias na Ilha do Mosqueiro e sem direito a um mergulho na praia, retornamos à base. A “guerra” terminara sem vencedores nem vencidos. Mas as aventuras continuariam e proximamente eu lhes contarei mais. Até lá. Francisco  Simões.      (Dezembro/2004) 

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