O LADO OCULTO DA MINHA VIDA – Parte V

    Assim terminei a narrativa no capítulo anterior: “Tentei me justificar, porém a senhora espírita me fez ouvir novamente as mesmas palavras que os outros dois já me haviam dito: eu, somente eu, poderia e deveria tomar a iniciativa de assumir o dom mediúnico. Recomendou à Zezé que jamais insistisse comigo no assunto. Voltei à estaca zero. Eu continuava e continuo acreditando, eventualmente professando, mas sem assumir meu papel definitivo.” Como a vida tem sempre muitas surpresas, alguns ligarão a destino ou karma, etc, digo-lhes que logo a seguir surgiu a doença grave em minha segunda esposa. Justo quando ela acabara de conseguir, acreditem ou não, uma verdadeira virada nas suas crenças religiosas. Os que me acompanham desde muito antes souberam através de alguns de meus textos, desde o começo de 2002 até Junho/2003, de toda aquela história de esperança e sofrimento.  Apenas me cingirei a eventuais fatos que nunca antes eu contara. Nos meses finais da doença, cerca de sete ainda, quando os médicos oncologistas já haviam desistido e me disseram  reservadamente que só restava esperar, ela jamais se lamentou, jamais se queixou da vida, e parecia alimentar uma esperança que eu sabia inútil, mas precisava concordar com ela e apoiá-la. Foi o que fiz. À noite, eu e Marlene nos alternávamos no dormir com ela no quarto, em Ipanema, no Rio, enquanto o outro tentava dormir no sofá da sala. Ela se deitava, mas logo em seguida costumava sentar, ficar imóvel e com os olhos fechados. Houve vezes em que nós ouvíamos ela balbuciando algumas palavras sem se dirigir a nenhum de nós. Quando certa noite eu interferi perguntando com quem ela estaria “conversando”, me respondeu que falava com uma moça que se queixava de ter perdido o emprego. Disse que estava triste.Se eu insistia em querer saber quem era e onde estava, ela apenas me respondia: “De que adianta eu dizer, você não vai acreditar mesmo…” Eu percebia nesta reação de indiferença dela que poderia ter a ver com o fato do meu comportamento com relação ao espiritismo. Ninguém pense que ela estivesse alucinada ou delirando, absolutamente, estava lúcida.Madrugadas houve em que ela me pedia um lápis e uma folha de papel e a seguir, sentada na cama, apoiando a folha sobre uma almofada, escrevia mensagens. Até aí tudo bem, todavia ela usava a mão esquerda para anotar o recado quando, em verdade, Zezé jamais foi canhota, ela era destra. Nunca escrevera nada com a mão contrária. Mais, dava perfeitamente para ler o que ela escrevia. Eu ficava pasmo até porque algumas delas se dirigiam a mim, eram recomendações e lembretes que fazia para o caso dela vir a falecer. Por que escrevia? Não sei.Esta reta final exigiu muito de nós, o pior era a sensação de impotência sem nada ter a fazer no sentido de ajudá-la. Ela teve uma boa assistência, em nosso apartamento, de um casal amigo que nos conhecia há muitas décadas e que era espírita. Eles eram das raras pessoas que ela admitia ver e falar, quando queria.  Certo dia ela pediu para virmos até Cabo Frio e levá-la ao Centro da amiga D. Esmeralda, a que já me referi antes. Aqui chegando fomos até o Centro Espírita e eu conversei com D. Esmeralda. Esta se comprometeu de fazer o que estivesse ao alcance dela para tentar ajudar a amiga Zezé. Houve uma sessão especial onde o centro de tudo era minha então esposa. Sentaram-na numa cadeira enquanto os trabalhos se desenvolviam. Como nos velhos tempos voltei a ficar muito nervoso. Pedi à Marlene e a um sobrinho que não saíssem de perto de mim. Quando a demorada sessão terminou D. Esmeralda, falando baixo, me explicou que infelizmente no caso dela nada havia a fazer. A seguir sentenciou: o caso de Zezé é de karma, tem que acontecer, nada poderá interferir tentando evitar que se cumpra o destino. Nada falei a ela, mas tenho certeza que nem precisava.  O desenlace se deu uns sete dias após esta vinda a Cabo Frio. Já que os médicos haviam desistido oficialmente de qualquer possibilidade de cura, levei-a a um doutor espírita, a mim recomendado por pessoas de Cabo Frio que o conheciam. Este olhou todos os últimos exames e me sussurrou que eu me preparasse para o pior. Nada havia mesmo a fazer. Em seguida a internou no Hospital em que dava consultas, na Tijuca, no Rio.Na manhã seguinte, logo cedo, eu a tinha em meus braços, na cama do Hospital. Ela, imóvel, de olhos fechados, mas a fazer um certo ruído com a boca que foi cedendo à medida que eu lhe dizia certas coisas ditadas pelo meu coração. Ali terminou tudo, percebi que a vida cumprira mais um ciclo. Eu estava novamente só. Do lado de fora, no corredor, estavam Marlene e o sobrinho Márcio, incansável, que esteve conosco sempre que arrumava algum tempo. De 19.06.2003 até janeiro/2007 morei com a solidão em minha casa no Braga, Cabo Frio. Aqui me sinto melhor e tenho maior assistência. Pedi à Marlene que largasse qualquer emprego que eu cobriria tudo para ela cuidar da minha casa e de mim. Assim foi feito, e de quando em vez os filhos dela me visitavam. A partir de fevereiro/2004 tive também a companhia do pequenino Touche, de quem tanto já falei. Foi o melhor presente que eu podia ter ganho então.  Mantive uma rotina de duas a três vezes por ano ir ao Rio por duas semanas, fazer exames de sangue, visitar meu médico homeopata, encontrar alguns poucos amigos, passear por Ipanema, etc. Aliás mantenho essa rotina até hoje. Marlene me acompanhava nessas idas para não me deixar sem cuidados. Certa vez aconteceu um fato, de madrugada, lá no Rio, que mexeu muito com minha emoção. Eu dormia no quarto dos fundos e Lena no da frente, onde ficava o meu escritório.  Sei que será difícil para algumas pessoas acreditarem na minha narrativa, porém, mais uma vez reafirmo que eu estava consciente, mesmo dormindo, e que estarei sendo completamente fiel a tudo, nos mínimos detalhes, sem falsear em nada. (Meu relato segue na próxima crônica)

    Matéria anteriorDIA DE DOMINGO
    Matéria seguinteO LADO OCULTO DA MINHA VIDA – Parte VI