O VELHO CAUDILHO

    Após a morte do Brizola, alguns amigos tão brizolistas quanto eu – questionaram as razões de não ter escrito sobre o velho caudilho. O principal motivo foi que, naquele momento, seria algo passional, descontrole que tento evitar ao máximo. A outra causa foi que, com irritação, constatei reviravoltas nas opiniões de gente que, em vida, o renegou e de outras que sempre o consideraram um predador. Mas, como dizem que ano novo é vida nova, acho que a hora é essa.    De início, vou alertar para o óbvio: não discuto o direito de não se gostar da conduta pessoal, política ou administrativa do Brizola. O que julgo inquestionável é que o Leonel possuía algumas qualidades que não mais reconheço reunidas nos atuais políticos: histórico; coerência e incorruptibilidade. Porém, não estou aqui para falar de suas qualidades. Vou me ater as duas principais acusações que lhe faziam os desafetos e a uma discriminatória maledicência. A primeira delas é de que, quando exilado no Uruguai, Brizola teria recebido milhares de dólares de Fidel Castro para organizar o MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário, e usado a quantia em benefício próprio e que, por esse motivo, era alcunhado de “el raton” pelo presidente cubano. Só os reiterados e veementes desmentidos do próprio Fidel, sob o irrefutável argumento de que Cuba nunca teve dinheiro para financiar a luta de ninguém, “sossegou-lhes o facho”.  Entretanto, a tese de mestrado da historiadora Denise Rolemberg, “O Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil – o treinamento guerrilheiro”, que, pela precisão e profundidade da pesquisa virou livro merecedor de elogio do Elio Gaspari, conceituado historiador político, apurou que Brizola admitira que conseguira dinheiro para manter a guerrilha. Contudo, como considerava de que fora um empréstimo pessoal; nunca revelou a origem; o montante e não mais tocava no assunto. Na publicação, o destino dos dólares pode ser desvendado pelo depoimento do jornalista Flávio Tavares, combatente de Imperatriz (MA) e reconhecido pela intimidade que sempre privou junto aos “poderosos”, de que, entre os focos guerrilheiros planejados, o da serra de Caparaó era “uma espécie de encantada menina dos olhos de Brizola, que lhe deu dadivosos fundos e armamentos”. A outra acusação é de que a escalada da violência no estado se deve ao seu último governo. Ano passado, por exemplo, fui à Tijuca ver um apartamento e o corretor me disse: “você precisava ver como estava o bairro no tempo do Brizola. Ele fez um acordo com o tráfico, o pessoal dos morros desceu todo e andava por aqui… Virou um inferno!” Retruquei dizendo que o gaúcho deixou o governo do estado em 1990 e que 14 anos é tempo de sobra para se resolver o problema da violência (Rudolph Giulliani, com o “Tolerância Zero” controlou a criminalidade em Nova Iorque em um só mandato como prefeito). Todos os sucessores de Brizola no governo do estado, elegeram-se através do mote do “fim da violência”. Moreira Franco, em 90, resolveria em seis meses. Marcelo Alencar, em 94, abraçou a mesma bandeira, e Garotinho que, em 98, apresentando-se como “especialista em segurança”, continua governando até hoje. Acrescentei duas observações ao interlocutor: uma que o direito de ir e vir é garantido constitucionalmente a qualquer cidadão; e outra que um acordo entre um governador e o tráfico não seria realizado ao som de trombetas, sob a luz de holofotes, na presença de intermediários ou de testemunhas. Tão ingênua quanto arriscada, tal atitude nunca passaria pela cabeça de uma raposa felpuda como a de Leonel de Moura Brizola. A maledicência, que conta com a preferência dos adversários moderninhos, de brincos na orelha e signatários aguerridos da igualdade de direitos entre os sexos, era a de que, na fuga para o exílio, Brizola teria deixado o país fantasiado de mulher. Não está provado, mas, e se foi mesmo? E daí? Qual o problema? Se fugir era a única opção e a fuga foi alcançada, parabéns pela esperteza!  Todavia, vou reproduzir uma notícia publicada pelo jornal O GLOBO (adversário que nunca lhe deu tréguas), em 08.09.04: “A família de Leonel Brizola encontrou a farda de brigadista usada pelo caudilho para fugir para o Uruguai durante a ditadura. O uniforme estava dentro de uma mala antiga do ex-líder pedetista em sua fazenda, a Repecho”.  Assim, egoisticamente, optei pela distância daqueles que puxavam conversa sobre o velho caudilho. Melhor, adotei um dos seus ensinamentos quando percebia a dubiedade da postura tanto de adversários como aliados, pretendendo trocar de lado: “é fácil distinguir essas pessoas. Olham para você, mas agem como o gado quando quer pular a cerca: passam a costear o alambrado”. Antecipando-me aos desmentidos, novas acusações e denúncias que, de repente, podem surgir, já escalei como resposta uma frase irretocável de “Lulu Carne-Seca”, um genial mendigo friburguense:  “se vocês não lerem, como podem querer saberem?”.(Mario Marcio, jan/05)

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