QUARTA-FEIRA, SEMPRE DESCE O PANO

    Meu sentimento com relação ao carnaval varia entre a aversão e a admiração. No time da aversão jogam os bebuns que permanecem os quatro dias em pré-coma alcoólica e os que se vestem de mulher para aproveitar a oportunidade e colocar para fora toda a sua licenciosidade. Agora, incluo os mijões.  Já no time da admiração atuam os foliões dos blocos de embalo, os casais de mestre-sala e porta-bandeira que, pelo menos por um dia, são mais importantes para a agremiação do que as “celebridades” e, por fim,  nas ruas, as divertidas figuraças fantasiadas.  Neste carnaval, em Friburgo, dei de cara com três autênticos exemplares. O primeiro, um folião paramentado com um garboso uniforme da Marinha de Guerra, com luva e tudo. Abordava as pessoas para perguntar-lhes se lembravam do nome bordado em seu bolso: Feliciano Costa. Qualquer que fosse a  resposta apresentava-se como o antigo e já falecido prefeito da cidade. Discorria sobre “suas” obras e dizia que contava com o voto daquela pessoa nas próximas eleições. Não sei a intenção dos demais, mas eu, até pela semelhança física, vou novamente sufragar o médico humanista, negro e militar que, pelo jeito, ressurgiu das cinzas.A segunda figura foi um sujeito mais cabeludo que o Toni Ramos, de mini-vestido, peruca loura de mulher e salto alto. Educadíssimo, abordava especialmente os casais. Às mulheres, perguntava quanto pagaram pela pintura das unhas. Sem esperar a resposta, oferecia-se para pintar as “garras” do companheiro, gratuitamente. Caso a proposta fosse aceita, lambrecava as mãos das vítimas de várias cores e despedia-se. Em um minuto voltava com algodão embebido em acetona e reparava o aparente abuso. Adepto da teoria de que as fantasias carnavalescas escondem um incontido desejo de realidade, achava que já tinha visto de tudo no carnaval, até “neguim” incorporado de freira, mas de manicure foi a primeira vez.  O último exemplo foi: Um fogão de gás explodiu numa barraca e os bombeiros chegaram rápidos. Debelaram o fogo, acabaram com a confusão e foram se retirando altivos. De repente, foram abordados por uma equipe de TV com repórter, iluminador e câmera.  Sorridentes, concederam uma entrevista. Os sorrisos só se desfizeram quando perceberam o nome da emissora exposto logo abaixo ao de uma réplica do logotipo da Globo: Rede Bobo.    Todavia, não vi o que mais desejava: aquelas duplas de foliões fantasiados de cowboys, trajados de calça de brim coringa, camisa quadriculada, lenço no pescoço, colete e chapéu. Em complemento a indumentária, reluzentes botas com espora e na cintura perfeitas réplicas de brinquedo de poderosos revolvões. Esses heróis, durante anos, “garantiram” a ordem do carnaval, com a autoridade que lhes era outorgada pela brilhosa estrela de xerife.   Mais do que admirar esses “mocinhos”, eu os invejo. Adoraria ultrapassar a fronteira da fantasia e vivenciar durante o carnaval o mundo dos xerifes do velho oeste norte-americano. No entanto, sempre me faltou coragem de encarar a realidade da quarta-feira de cinzas que, como ensina a antiga canção de Chico Buarque, “sempre desce o pano”

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