RECORDANDO, CONTESTANDO E VIVENDO

    Nas últimas semanas recebi diversos “slides” muito bem formatados e com mensagens que, de certa forma, enfocavam a mesma temática com variantes girando em torno dela: a vida, os hábitos, os costumes, dos chamados “anos dourados”. Foi como se de repente muitos se lembrassem que este mundo já foi melhor, ou seja, que os defeitos que carregava eram um fardo muito menos pesado que os atuais.Que os seres humanos já foram mais solidários, que fomos bem mais felizes, que pudemos sonhar e lutar por nossos sonhos, não obstante as inevitáveis guerras, as ditaduras, as doenças, ou o que alguns fervorosos defensores desta tal modernidade, arrogantemente ousam chamar de… “atraso”. Afinal, para esses eu lembro que depois do “nosso tempo” muito mais guerras aconteceram, e continuam a acontecer, matando muito mais gente que a terrível II Grande Guerra Mundial com todos os estragos que fez pelo planeta afora. Quanto as ditaduras, teoricamente pode-se dizer que hoje haja menos, porém, na prática, há certas “democracias”, que estão por aí plantadas, que em muito se assemelham a regimes autoritários mal disfarçados e incompetentes. Até a liberdade de expressão, em alguns, é meio balela. E quanto a injustiças sociais, a violências de toda ordem, a vícios tantos que espalharam suas garras pelas sociedades, etc, nosso mundo atual envelheceu e parece estar cada vez mais se esclerosando.Sobre doenças nem gosto de falar, pois quantas que já eram dadas como extintas agora ressurgem? Ou pior, vêm até com mais força, se alastram aqui e ali, fazem tantas vítimas apesar do grande avanço da ciência em favor da medicina. Hoje passamos inclusive a ter que temer pequenos e aparentemente inofensivos bichinhos com os quais convivemos em nossa infância sem nos serem perigosos.Neste ponto reporto-me inclusive ao, com licença da palavra, … carrapato!! E nem perderei tempo nem palavras com ele, pois digo-lhes que o excelente Artur da Távola disse tudo em sua crônica, “O Carrapato”, neste mesmo coojornal, na edição de 05.11.2005. Sugiro e recomendo a leitura. Basta entrar no coojornal, ir ao espaço dele, e clicar, ao lado da crônica em evidência, onde se encontra o ARQUIVO. Por favor, permitam-me transcrever aqui apenas este pequeno trecho daquele ótimo artigo do Artur da Távola: — “Minha sábia mãe árabe logo me ensinou: quando for para o mato ou campo, leve amônia. Se o carrapato morder, passe amônia com um algodão, passe, passe, passe suavemente, e ele vai tonteando, amolecendo e sai sem deixar o ferrão. (outro dia, estarrecido, li num jornal de alta circulação, que se tira o carrapato com uma pinça. Isso é um absurdo…)”E os tão decantados avanços da tecnologia? Sucessos do homem, este mesmo homem que cria, cria, e mais cria, e vai se desprotegendo contra suas próprias criações. Aprimoram-se máquinas de todo tipo, para todos os usos, e o tal homem criador não defende o seu semelhante, o homem que não cria, mas trabalha, tem  família para sustentar, que necessita do emprego e… que vai sendo desempregado cada dia mais. Como vêem “motivação” não nos falta para continuar no mesmo tema. A tal de modernidade é um prato cheio para quem conheceu este mundo, este país, nossa sociedade, muito antes dos que agora tentam ditar regras de beleza, de saúde, de comportamento, de educação (?!), de bom gosto (?!)  em música e outros assuntos que não consigo sequer digerir. Desculpem-me a franqueza.Minha motivação também foi ativada por vários comentários que recebi sobre minha crônica anterior. O excelente poeta paraense, Alberto Cohen, também articulista do coojornal do Rio Total, me escreveu e abriu o seu coração dizendo:”Amigo Simões, o seu texto desta semana no Rio Total mexeu com algumas coisas que dormiam dentro de mim, como a lembrança dos bailes onde a música que se dançava era o bolero (Bienvenido Granda, Anísio Silva, lembra deles?) e os namoros se iniciavam (muitos resultando em casamento) ao som do romantismo das letras e da suavidade das melodias. Como era bonito e delicado aquele tempo em que as moças eram senhoritas e os rapazes queriam ser esportistas, intelectuais e artistas, não "brucutus" ou “assassinos.”Tenho que concordar com o poeta amigo, respeitando e não polemizando com as eventuais discordâncias, claro. O amor daqueles tempos, pelo que se conhece na história da humanidade, foi mesmo inigualável. Com raras exceções, onde foi parar hoje o sentimento amor? Muitos o levam num sentido de ridículo e outros até têm vergonha de falar no assunto. Acreditem, o amor não morreu, mas está moribundo.Fiquei estarrecido ao saber como são chamadas as moças nos bailes de hoje em dia, e, pior, o fato de que elas parecem não se incomodar com isso. Sinto-me feliz por ter vivido minha mocidade num tempo em que as jovens eram por nós olhadas com carinho, com ternura, e a paquera era conduzida, acima de tudo, com respeito àquela que desejávamos conquistar. Quanto aos “brucutus” e “assassinos”, infelizmente já não são tão exceção como se desejaria que fossem. Haja vista as constantes agressões gratuitas que rapazes musculosos promovem em bares e boates, especialmente no Rio de Janeiro, mas não somente lá. E como matam, fria e impunemente, na maioria das vezes, jovens que se dizem “torcedores” deste ou daquele time de futebol simplesmente porque os alvos deles têm preferência clubística diferente… Aliás, falei disto no texto anterior.Por favor, leiam esta notícia que acabo de extrair, agora mesmo, domingo, quando estou escrevendo este texto, do noticiário nacional do meu provedor, o Terra: “Um torcedor do Botafogo, integrante da torcida Fúria Jovem, foi morto com três golpes de foice na descida da Serra das Araras, no interior do Rio de Janeiro, na noite deste domingo, após o clássico carioca disputado em Volta Redonda, Flamengo x Botafogo. De acordo com o major Marcelo, comandante do Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe), Rafick da Silva Câncio, 20 anos, morreu na hora”.”A briga começou após o ônibus que levava os torcedores do Botafogo parar para trocar um pneu furado. Neste momento, membros da Torcida Jovem do Flamengo, que vinham atrás, teriam descido do ônibus e começado o conflito.” — Sem qualquer comentário.De Portugal, meu bom amigo Manuel A. dos Santos, residente em Cascais, comentou a crônica da semana passada e disse: “Caro Simões, concordo contigo.  Houve uma evolução do tecnicismo e das modernices, mas parece que o humanismo e o bom gosto sofreram uma involução muito para lá do antigamente.”Humanismo… não obstante alguns grupos resistirem na defesa da paz, pelo mundo afora, tudo leva a crer que aqueles que realmente detêm o poder, que têm a força, a decisão, andam a remar, ou a conduzir seus interesses no sentido contrário, e com uma sede de matar, de dominar, de provar sua força, que assusta e aterroriza.Cansado e meio desanimado vou encerrar usando novamente palavras do meu amigo e conterrâneo, o poeta Alberto Cohen, em mensagem a mim dirigida hoje. Diz ele: “Sabe o que estive pensando? O que pode iluminar a escuridão destes tempos? As lembranças. Nada nos pode tirá-las, pois as vivemos. Como deixar de sorrir ao lembrar a mocinha ensinando-me a dançar o bolero, dois pra lá, dois pra cá? E o primeiro beijo, enternecendo-me toda vez que o recordo? Vivemos em mundos paralelos: o de hoje, em que assistimos, estáticos, ao caos, e o de ontem, quando sonhávamos, sonhávamos e sonhávamos. O sonho acabou? Não, ele apenas está guardado e retorna todas as vezes em que precisamos de um sorriso.” — Você está certíssimo, poeta amigo.

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