SALADA DE FRUTAS

     Assisti na TV que existe uma fazenda em Goiás que possui trinta e um mil pés de jabuticabas. O local, no “tempo” da fruta, torna-se ponto turístico. Famílias vão para lá passar o dia, armam uma rede debaixo das árvores, conversam, brincam e passeiam pelos arredores. Nos intervalos, lancham e até almoçam jabuticaba. Na condição de aficionado por frutas, fiquei tão fascinado pela reportagem que passei a relembrar de algumas passagens, com direito as cenas em que lá na “terrinha” friburguense, pulava as cercas vizinhas para chupar jabuticaba no pé.  Minha mãe não permitia que eu e minha irmã, aceitássemos nada sem a sua anuência e muito menos podíamos pedir qualquer coisa a alguém. Um dia, fomos a uma fazenda onde havia um laranjal de se perder de vista. Os frutos eram lindos! Grandes, carnudos e de tão maduros, a casca chegava a ser avermelhada. Ela, notando o meu fascínio, olhou-me e disse que podia pegar uma laranja. Com a maior timidez do mundo, fui até a um pé e peguei uma laranjinha murcha, de um tom esverdeado quase negro, “esmirradinha”, tipo uva moscatel. Ainda na infância, com a uns primos, realizávamos piqueniques. No acampamento embaixo de uma árvore, abríamos o farnel e comíamos, de entrada, biscoitos acompanhados de refresco de groselha. Só mais tarde, depois de muita conversa, com o estômago reclamando de fome, devorávamos o prato principal: dúzias e dúzias de banana ouro.      Já fui salvo por um pêssego! Rapazinhos ainda, tomei uns copos de vinho escondido e depois, por graça divina, comi um pêssego. Minha mãe percebeu a minha “alegria” e cheirou a minha a boca. O aroma da fruta se sobrepôs ao do álcool e me inocentou. Em 93, fiquei um mês internado, submetido à dieta zero, ou seja, nem água. Quase todos que iam me visitar, perguntavam o que eu desejava comer depois de curado. Nunca respondi que seria uma feijoada, uma lasanha ou um angu à baiana. A imagem que sempre surgia na minha frente era de uma travessa transbordando de bagos de jaca dura.Nos finais de ano, na minha casa, enquanto todo mundo fica preocupado com a “comidaria”, enfeites, presentes, eu não estou nem aí. Para mim, o sucesso das reuniões de Natal e Ano Novo se mede pela qualidade e sabor da salada de frutas. Orgulho-me de ser um “laranjista” juramentado. Daqueles que só em olhar as laranjas (também tangerinas e mexericas), identifica se estão “passadas” murchas, secas ou azedas. Realizo até um ritual para chupar laranja: sento, retiro a casca por inteiro, sem despedaçá-la, não “machuco a fruta” e só depois de devidamente divida em gomos é que as aprecio.No pomar de um sítio, poucos anos atrás, dava uma “aula” dos meus conhecimentos sobre as frutas para uma “atenta platéia”. Com a alta-estima lá em cima, instintivamente, estiquei o braço e colhi, diretamente do pé, um exemplar que imaginei ser uma mexerica. Cheio de estilo, enquanto falava, descasquei a fruta sem olhar. Depois, peguei um gomo, joguei para cima, aparei na boca e mordi com toda força. O palavrão que soltei soou longe. Era limão galego!

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