SEMANA SANTA

               Eu não me canso de imaginar qual seria a reação da minha mãe, católica convicta, se ainda estivesse fisicamente por aqui, ao comparar as comemorações da Semana Santa de hoje com as de antigamente.                Na minha casa, já a partir da quarta-feira, não se podia rir, falar alto ou varrer.  Apesar de menores de idade, sabíamos que as relações sexuais deveriam ser adiadas para a semana seguinte. Éramos obrigados a acompanhar, em capítulos, a vida de Jesus Cristo que começava a ser retransmitida, pela Rádio Friburgo, as segundas-feiras, da Rádio Nacional do Rio. O final da história, era na Sexta-Feira da Paixão, com sua morte e a ressurreição. Todo ano era uma choração só.            Comer peixe na quinta e sexta-feira santa era sagrado e, exceto as novelas cristãs, as rádios só apresentavam músicas clássicas. Na TV ou passava épicos com Charlton Heston e Victor Mature, Os Dez Mandamentos ou a Vida de Cristo. Neste último, havia uma característica que eu nunca consegui entender: Jesus sempre aparecia de costas.             Em um bom número de cinemas, e na TV também, era possível assistir a esses filmes. Já aqui no Rio, trabalhei com um sujeito meio maluco que ficava revezando entre assistir, nos cinemas da Tijuca, Os Dez Mandamentos e a Vida de Cristo: ia ver um deles na primeira sessão de um dos cinemas; saia e via o outro na segunda seção de outro cinema. Depois, voltava….             No colégio em que estudava em Friburgo, o Anchieta, a Via Sacra era um acontecimento imperdível. Os alunos, acompanhados por uma multidão de fiéis, caminhavam em procissão parando e orando em cada uma das 14 estações que formavam o percurso da Via. Teve um ano que um dos alunos, impressionado com o sofrimento de Cristo, trancou-se num cubículo e se auto flagelou com o seu cinto para se expiar dos seus pecados.               Atualmente, se nem a quinta-feira santa é mais feriado (nem no BC), é de fazer rir lembrar as antigas proibições de falar alto, varrer, fazer sexo…            Ciente de que os tempos são outros, não me espantei em ver, na sexta-feira, o Mac Donalds lotado (duvido que o sanduíche mais pedido fosse o Big Fish). Não me choquei, também, com o fato de ver, em muitas residências, os preparativos para o churrasco e a música nas alturas.             Em vez da procissão de Sexta-Feira Santa pelas ruas das cidades, a notícia na TV é sobre a “A Paixão de Cristo”, que acontece em Nova Jerusalém (PR). Não é a fé e a religiosidade que atraem multidões; é a mídia – principalmente porque a peça é encenada por “globais”.            A tradição dos ovos da Páscoa está sendo trocada pela oferta de caixas de bombons e barras de chocolate. Mas, quem sabe, o ovo do Batman, lançado recentemente para competir com o Coelho, não faça sucesso?             Mas, a maior transformação da Semana Santa aconteceu no cinema. Não havia programação para filme “santo” ou épico algum este ano. Em compensação, quase 600 mil pessoas foram assistir a vida do espírita Chico Xavier durante o fim de semana santificado.            A única  certeza que tenho é a de que a minha mãe realizaria incontáveis promessas e rezaria todas as orações para impedir Jesus de retornar à Terra e não ver que esse mundo “virou de cabeça para baixo”.  

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