TODO MUNDO VIU

    Tempos atrás o Ruy Castro listou três episódios que foram presenciados por milhões de pessoas no justo momento em que aconteciam:o show do Police no Maracanãzinho, em 1982; o primeiro treino de Garrincha no Botafogo, em 1953;  e a final da Copa de 1950, no Maracanã. Na mesma linha, o Carlos Heitor Cony acrescentou duas ocorrências que caíram em domínio público. A mais importante e antiga aconteceu na rua Toneleros, no Rio, em 5 de agosto de 1954, quando tentaram assassinar Carlos Lacerda. Mataram um militar e, dias depois, Getúlio Vargas suicidou-se, na maior crise política de nossa história. Durante o inquérito policial havia apenas o testemunho de três jornalistas. Mas, em seguida, apareceram mais de 5.000 testemunhas oculares da história.  Nos anos 70, o restaurante da moda, Antonio"s, sofreu um assalto. Os freqüentadores, gente fina da época, ficaram presos no banheiro de um metro quadrado de área. Porém, reza a lenda que metade do "beautifull people", mil e tantos ricos e famosos, esteve espremida naquele sagrado espaço. Volta e meia ainda, diz o Cony, "encontro um sobrevivente daqueles tempos que me conta o assalto como façanha". Daí que me lembrei que, ele e eu, colecionamos episódios que só nós dois não vimos. Logo após a morte da Cássia Eller, o Cony  estranhou que apesar de morar em frente ao hospital onde a cantora foi tentar socorro, foi o único cidadão do Rio que não a viu chegar. O resto da população, seja de um ônibus, de um táxi, ou do posto de gasolina da frente, viu a cena. No meu caso, foi quando da exibição do programa Big Bhroter Brasil, tempos atrás. Havia um concorrente apelidado de Ban-Ban que eu desconhecia. Numa manhã, no setor em que trabalhava, chegou alguém exibindo para os demais uma reprodução do pintor Aldemir Martins de uma nordestina. Um dos presentes olhou o quadro e  disse: – "Parece a boneca do Ban-Ban." Ingenuamente perguntei: – "Quem é Ban-Ban"? E o cidadão respondeu: "Aquele do Big Brhoter!" Num fio de voz, repliquei:"É que eu não assisto…" E o cidadão taxativo:"Puxa vida! Você é o único que não assiste! Que alienação, heim!?"No rol dos acontecimentos que "todo mundo viu", eu acrescentaria mais um:foi um confronto entre Santos e Vasco, realizado num dia de semana, numa noite de 1963, no Maracanã, com um público que não ocupou nem um quarto do estádio. Até aos 43m do 2º tempo, quando o Vasco vencia o jogo por 2 x 0, só os presentes no estádio tinham visto o jogo. A partir dos dois minutos seguintes, quando Pelé fez dois gols e conseguiu o empate, "todo mundo" viu a partida.  Enquanto estava vivo, meu pai eu fomos testemunhas um do outro, de que verdadeiramente – estávamos presentes. Mas, sempre que conto que "estava  lá", aparece alguém para pedir pormenores dos gols do Pelé que, infelizmente, não possuem registros em imagem. Aí é que "tá": não lembro! E olha que, não sei o que almocei hoje, mas recordo de tudo de "antigamente".  As conseqüências dessa falta de memória é que, pela expressão dos meus interlocutores fico certo de que estou passando por mentiroso e o que é pior: passo a duvidar de mim mesmo.

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