VINGANÇA

    Véspera de feriado prolongado. Previsão de clima perfeito para todos os gostos: praia, Friburgo, passeios, estréias, restaurantes, museus; enfim, opções pra todo lado.Para mim, no entanto, apenas o primeiro de um dia de inferno astral. Logo cedo, a notícia: só faço jus ao abono-permanência em junho de 2009 (!!!). Só depois disso poderei ser beneficiado com a aposentadoria.No Banco do Brasil, vejo o saldo do cheque especial: R$ 8,00. OITO!!! OITO REAIS para o feriadão! Gastos os obrigatórios R$ 4,00 em passagens, sobra outro rico tanto para a feira, um, uma pizza à noite … Sem dúvida, bela perspectiva!Nesse estado de espírito, olho pro lado e dou de cara com um colega utilizando outro terminal. Sarado, corpo de surfista, nenhum cabelo branco na vasta cabeleira. Bermudão colorido, tênis sem meia, camiseta pólo, mochila a tiracolo.- Puxa, tá sumido, heim!? – faço a besteira de puxar conversa.- Tô aposentado, né!? Só venho aqui em último caso. Moro na Atlântica. Tenho tudo lá. Praia, cinema, livraria, restaurante… Todo ano viajo para o exterior. Meus filhos têm vida própria… E você? Ainda tá no subúrbio? Férias friburguenses?- Não mudou nada. Tá tudo igual… – respondi com inveja.- E no feriadão? Vou hoje para Bariloche. E você?- Tô resolvendo ainda … – A agência do BB ficou boa, heim?… Tem esses terminais com dinheiro trocado… Mas, pra mim, não faz diferença, não. Só gosto de dinheiro grande…- Ah, é ?… – respondi, olho fixo no volume das cédulas em sua mão, pensamento perdido em quantos oito reais elas embutiriam.- Mas, sabe rapaz? eu leio você pela Internet. Temos muito a ver…- Legal…- Admiro a sua coragem de tornar público que tomou "bola nas costas" das namoradas. – É… É…- Sabe? Pra você eu posso dizer. Identifico-me muito com você, porque já fui chifrado várias vezes. Perdi até a conta… Nesse ponto, somos muito iguais…Justamente naquele momento a picada que uma mosca havia desferido na minha testa, injetando no meu cérebro um veneno composto de vingança e inveja fez efeito:- Só tem uma diferençazinha entre nós… O que eu conto ali, como dizem as crianças, "é tudo de mentirinha". Obs: texto publicado no BC Rio n° 142, de 31.5.2005.

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