O grande número de parentes concorrendo é uma demonstração de que os partidos, os movimentos sociais e as escolas não investiram em formação política e cívica, capaz de motivar pessoas com vocação para a liderança e o exercício de cargos públicos. Esse déficit de quadros políticos favorece a continuidade da circulação no poder, numa espécie de transferência hereditária do poder entre as famílias.
Por Antônio Augusto de Queiroz *
O Diap, em levantamento destinado à definição de prognóstico para a futura composição do Congresso, identificou 98 candidatos à Câmara dos Deputados que tem relação de parentesco de primeiro grau com políticos tradicionais e/ou influentes nos estados.
Esclareça-se, desde logo, que a relação de parentesco não desqualifica ninguém para concorrer, especialmente se o postulante tiver militância política, experiência ou preparo para o exercício de mandatos. O problema aparece quando o candidato-parente é lançado para manter feudos eleitorais, substituir candidatos ficha suja ou para evitar que outras forças políticas assumam o poder na unidade da Federação.
Feita a ressalva, registre-se que o número de parentes candidatos nestas eleições é muito maior do que este levantamento indica, já que inclui apenas os candidatos mais competitivos à Câmara dos Deputados. Nele não constam os laços familiares ou parentescos de terceiro grau nem inclui candidatos a outros cargos, como os de deputado estadual, senador, governador ou vice, senador ou suplente de senador.
O grande número de parentes concorrendo é uma demonstração de que os partidos, os movimentos sociais e as escolas não investiram em formação política e cívica, capaz de motivar pessoas com vocação para a liderança e o exercício de cargos públicos. Esse déficit de quadros políticos favorece a continuidade da circulação no poder, numa espécie de transferência hereditária do poder entre as famílias.
É urgente uma mudança cultural para que os partidos, em lugar de escolher apenas parentes de políticos ou puxadores de votos, sem qualquer compromisso programático ou ideológico, escolham pessoas vocacionadas, guiadas por princípios republicanos e comprometidas com o programa, a doutrina e a ideologia dos partidos.
Atualmente os partidos políticos são estimulados a escolher pessoas com perfil de puxadores de votos para a Câmara dos Deputados – como parentes, endinheirados ou celebridades – para assegurar maior espaço no horário eleitoral gratuito, cujo tempo é calculado com base na bancada eleita, ou para aumentar os recursos do fundo partidário, que é calculado com base no número de votos obtidos para a Câmara dos Deputados.
A tradição de lançar parentes não é apenas uma prática das regiões menos desenvolvidas do País como as Norte e Nordeste, ilustradas pelos exemplos a seguir: Marfisa (PSD-AC), esposa do senador Sérgio Petecão; Arthur Bisneto (PSDB-AM), filho do ex-senador e atual prefeito de Manaus, Arthur Virgílio; Mário Negromonte Jr (PP-BA), filho do ex-ministro das Cidades, Mário Negromonte; Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), filho do senador Cássio Cunha Lima; e Walter Alves (PMDB-RN), filho do senador licenciado e atual ministro da Previdência, Garibaldi Alves.
Também nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul existem muitos exemplos ilustrativos dessa prática, como segue: Daniel Vilela (PMDB-GO), filho do ex-governador e ex-senador Maguito Vilela; Joaquim Roriz Neto (PMN-DF), filho da deputada federal Jaqueline Roriz e neto do ex-governador Joaquim Roriz; Newton Cardoso Jr, filho do deputado federal Newton Cardoso; Clarissa Garotinho (PR-RJ), filha do deputado federal Garotinho; Marco Antônio Cabral (PMDB-RJ), filho do ex-governador Sérgio Cabral; Bruno Covas (PSDB-SP), filho do ex-governador Mário Covas; Luis Antônio Covatti (PP-RS), filho do deputado federal Vilson Covatti; e Pizzolatti Neto (PP-SC), filho do deputado federal João Pizzolatti.
Em 2013 ocorreram manifestações populares por mudanças na política mas, em lugar de reduzir o número de parentes candidatos, houve sim um aumento. Para alterar essa prática atrasada e antirrepublicana de dificultar a alternância no poder, com a indicação de parentes para disputar os cargos de representação política, só com mudança de cultura, investimento em formação cívica e reforma política. Veja a lista dos 98 parentes candidatos à Câmara Federal.
(*) Jornalista, analista político e diretor do Diap