Ata do Copom entre inflação e “novo normal”

    Angela Bittencourt

     

    Inflação alta e resistente com frequência é a resposta de formadores de preços que precisam suprir uma demanda forte e, diante de uma oferta limitada de bens e serviços para atender consumidores vorazes, se veem diante de uma oportunidade de operar com boas margens de preços. Esta versão simplista de desequilíbrio entre oferta e demanda, poderia explicar a inflação brasileira encastelada em 6,15% no cálculo em 12 meses encerrados em março. Mas, na opinião do mercado, esta versão não justificaria a taxa tão franzina, de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre do ano na comparação com o último período de 2013. A inflação tão alta não combina com taxa de crescimento tão pífia e muito menos com taxa básica que sofreu nove elevações consecutivas, saindo de 7,5% para 11% ao longo de um ano, sem destronar a inflação da vizinhança do teto da meta do regime em vigor no Brasil desde 1999. O Comitê de política monetária do Banco CENTRAL (Copom) aumentou a Selic nove vezes até 2 de abril deste ano, quando instalou a taxa em 11%, patamar mantido na semana passada.

    O ciclo de aperto monetário somou 3,75 pontos percentuais e ganhou fama de um dos mais longos da história do país. O mercado julga que ele está encerrado, embora sem trazer a inflação para perto do centro da meta ou arrefecer as expectativas. Mas o BC fez o que poderia fazer, inclusive porque o governo continuará puxando a inflação via gastos. Por fazer essa avaliação, economistas consultados pela coluna não consideram a possibilidade de o BC indicar o encerramento do ciclo de aperto monetário na Ata do Copom que será divulgada amanhã. Os economistas compartilham a ideia de que a Ata deixará “em aberto” uma chance para o corte da Selic “ao menos” em 2015. E, por ora, a minoria dos economistas com quem a coluna conversou vê a possibilidade de a Ata também deixar “em aberto” a chance para mais um “aumento” da Selic.

    “Pode parecer incoerente pensar em mais aumento da Selic com a economia tão fraca, mas isso seria verdade se o juro estivesse atrapalhando os investimentos e o consumo. E concluímos que não”, comenta uma economista. Em sua avaliação, os investimentos são prejudicados por fatores como falta de competitividade da indústria brasileira, enquanto o consumo vem sendo afetado pela inflação “altíssima” que abate o poder de compra das famílias. “Até agora, a elevação da Selic só corrigiu a redução exagerada do ciclo anterior que levou a taxa aos 7,25% em outubro de 2012 e derrubou o juro real a menos de 2%. O ciclo que agora se completa, com Selic a 11%, conseguiu alinhar a inflação, mas não conter as expectativas. Outro ciclo terá este papel”, diz a economista.

    Outro economista, mais afinado com a maioria, vê espaço mais confortável para o BC reduzir a taxa de juro, inclusive, por pressão externa. Os bancos centrais estão ficando atrás da curva de juros e aí ficarão enquanto não tiverem problema com a inflação. E esta é uma visão reconhecidamente benigna da autoridade monetária. Os bancos centrais se prepararam para a normalização da política monetária americana, mas esta “normalização” parece estar em outro patamar de indicadores financeiros e econômicos e não os vigentes no pré-crise de 2008/2009, como se imaginou anteriormente. Há um “novo normal” no horizonte. 

    Essa possibilidade estaria justificando a posição serena do Federal Reserve, o BC dos Estados Unidos, que vem sendo sinalizada constantemente por sua presidente Janet Yellen. Ao contrário do aperto monetário que todos, inclusive o próprio comando do Fed esperava para o fim do ano passado e início deste ano, a inexistência de problemas com a inflação permitiu, inclusive, que o Fed abandonasse informalmente o “forward guidance”, que os mercados fluíssem melhor com nível mais elevado de liquidez e com taxas de juros em níveis historicamente baixos.

    Bancos centrais de economias desenvolvidas – caso do Banco da Inglaterra e Banco do Japão – seguem o Fed e sua política ainda expandida. O programa de recompra de ativos em mercado (títulos públicos e hipotecários) saiu de US$ 85 bilhões em janeiro e está em US$ 45 bilhões, sofrendo redução de US$ 10 bilhões a cada reunião do Comitê de política monetária do Fed, seguindo o roteiro informado por Ben Bernanke, que ocupava o mais alto cargo da instituição em dezembro do ano passado e já havia comunicado sua saída. A economia da Inglaterra já está em franca recuperação. Mas a economia japonesa vai mal, e, embora o país tenha um “quantitative easing” em andamento, o seu programa poderá ter o escopo ampliado com aumento da participação das reservas técnicas dos fundos de pensão em aplicações no mercado acionário. Atualmente, a fatia deste segmento é de 12%, mas poderá chegar a 20%. Amanhã, o Banco CENTRAL Europeu (BCE), que luta contra inflação baixíssima e atividade desalentadora, tem sua reunião depolítica monetária e poderá cortar a taxa básica que está em 0,25% e, quem sabe, anunciar o seu “quantitative easing”.

    As economias emergentes que apertaram os juros antes ou ao mesmo tempo que o Brasil já começaram a afrouxar as taxas ou seus mecanismos de política monetária, aderindo à tendência dos BCs das economias centrais, mesmo sem a convergência da inflação para as respectivas metas. No caso do Brasil, um afrouxamento monetário não faz sentido quando se observa a inflação e as expectativas – ambas flertando com o teto da meta -, mas o BC demonstra a intenção de atenuar o aperto decorrente do uso de macroprudenciais porque o PIB, apresentado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirmou o terceiro trimestre de investimentos em queda.

    Os indicadores conspiram para que o PIB no segundo trimestre seja negativo, enquanto a inflação permanece olímpica em torno de 6% e num período sazonalmente positivo. Nesse cenário não é improvável que a Ata traga uma mensagem tranquilizadora e sem sequer contrabandear qualquer sinalização de queda da Selic, mas mostre um BC vigilante com a inflação sem ser indiferente com a atividade. Difícil? Sem dúvida. Levar o país à recessão é mais fácil e a conta muito mais elevada. Para todos.

    No Brasil, BC pode atenuar aperto via macroprudenciais

    Angela Bittencourt é repórter especial. O titular da coluna, Cristiano Romero, está em férias.

     

    Fonte: Valor Econômico

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