Analista do banco Nomura Securities aposta em melhora da economia em 2015, seja qual for o resultado da eleição presidencial
A independência operacional do Banco CENTRAL, um debate que entrou de vez na corrida eleitoral, não chega a ser uma necessidade para o país. A opinião é do economista Tony Volpon, chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes do Nomura Securities, em Nova York, maior Bancojaponês de investimentos. Para ele, bastaria restaurar a autonomia operacional, que havia antes do governo Dilma Rousseff, e fazer ajustes na política econômica. Na sua avaliação, o país crescerá um pouco mais em 2015, independentemente de quem for eleito presidente. Marina Silva (PSB) é, acredita, franca favorita para vencer a presidente e candidata do PT à reeleição num segundo turno. Mais: a derrota de Dilma representaria uma vitória para a democracia, com a alternância de poder após 12 anos de liderança petista. “Novas ideias, novas pessoas, novas políticas são positivas em qualquer país”, resumiu. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio.
O BC independente entrou de vez no debate eleitoral. O que o senhor acha dessa polêmica?
O que precisa fazer é restaurar a autonomia operacional, como já houve. Tendo as pessoas certas lá dentro e uma clara autonomia operacional, 90% da fatura está paga. A questão de ter uma lei específica, de certa maneira, é tentar impedir que o governo futuro, ou até mesmo o próximo governo eleito, arranje essa independência operacional. Nem sempre a independência formal do BC garante proteção dos interesses políticos do governo. Há vários casos na América Latina de bancos centrais com independência formal que foram atropelados pelo governo. O exemplo mais emblemático é o da Argentina. A gente, na América Latina, tem o costume de achar que um montão de leis é o que resolve os problemas do país, o que é um erro. Veja a nossa Constituição, por exemplo. É um livro.
O que mais prejudica a imagem do Brasil hoje é a inflação alta?
O que prejudica a imagem do Brasil é que a economia não cresce. O investidor quer crescimento. Tem várias economias no grupo dos emergentes que têm taxas de inflação bem mais altas do que o Brasil, mas o mercado adora, coloca dinheiro dentro, paga juros menores do que os que paga aqui. São economias vibrantes, que estão crescendo. Crescimento sustentável resolve tudo. É a cura de todos os problemas. Se tivéssemos uma inflação de 6% estável e com crescimento, eu estaria feliz. O que não pode haver é o que ocorre hoje: uma inflação de 6%, que pode subir, virar 7% ou 8%, e um crescimento baixo, perto de zero. Mas não tenho o purismo de dizer que a inflação tenha que ser de 4% ou 3%.
O senhor considera adequado ao país ter a meta de inflação de 4,5% anuais, que não é atingida desde 2009?
Se existe uma meta, o governo tem que cumpri-la. Se não gosta da meta, mude-a. Há dois anos, dizia que devia mudar a meta. Quando a gente já estava lá brincando com o topo (6,5% ao ano), e ninguém fazia nada, eu falava isso. Porque o que parece é que o governo realmente não persegue os 4,5%. A impressão que fica é que há um entendimento dentro do governo de que a inflação alta é consequência de um choque civilizatório, devido a um mercado de trabalho aquecido, e que o ideal, por isso, era não subir juros. Se essa é a compreensão do governo, ok, eu respeito isso, mas então que se mude a meta. Não dá mais para engolir esta história de que o BC persegue os 4,5%.Isso não é verdade.
“Temos um nível de incerteza que fez a economia parar. Todo empresário vai esperar a eleição”.
Havia uma perspectiva de que o segundo semestre pudesse ser um pouco melhor para a economia,
mas a gente não está vendo isso.
A gente tem um nível de incerteza que fez a economia parar. Todo empresário com quem converso diz que vai esperar a eleição. Não é nada muito estranho ou surpreendente. Havia antes uma eleição quase garantida, que começou a ficar competitiva. Um fato exógeno trágico que jogou alguém na liderança da eleição que nem estava concorrendo. Faz um mês que o Eduardo Campos morreu. Foram muitos os clientes que me procuraram para explicar quem é Marina Silva, o fenômeno, e como ela poderia governar. Aí sai o programa de governo, a famosa página 46, o que era aquilo. A revisão do programa para o investidor não afetou porque ele está mais preocupado com a área econômica. O tempo de maturação para tentar entender isso não é zero. Até porque ela está se explicando. Até isso ficar mais cristalizado, a economia fica no compasso de espera. A boa parte da notícia é que, retirando esse risco político, até um certo ponto independentemente do resultado das urnas, as coisas começam a fluir. Por isso, minha previsão de crescimento do PIB em 2015 é melhor que a média do mercado: perto de 2%. Muita gente, hoje, aposta numa alta de 1,5%, e caindo.
E que ajustes a economia vai precisar nos próximos anos?
Independentemente de quem ganhe a eleição presidencial, há amplo consenso da necessidade de fazer determinados ajustes na política econômica. Portanto, haverá um efeito benéfico. O empresariado que está segurando o investimento em função da incerteza política, independentemente de quem ganhe, voltará a investir. Houve muitas interferências nos mecanismos de mercado que impediram que esses ajustes macroeconômicos ocorressem. A gente deveria estar com uma inflação mais baixa. Minha opinião é que o Banco CENTRAL fez sua parte. Mas, quando o BC aumenta juros, e os bancos públicos ignoram a nova realidade e aumentam a concessão de crédito, como ocorreu, isso leva a uma interferência no canal do crédito, o que faz com que o aumento de juros não funcione. O jeito seria aumentar ainda mais os juros, o que tem efeitos maléficos, como efeitos colaterais de um remédio. Se não remover essas distorções, a inflação não cai.
Como fazer esse reajuste sem pesar tanto no bolso do brasileiro?
Tem que ser de forma gradual. Não pode dar tudo de uma só vez, porque ninguém quer quebrar o país. Os reajustes nos preços administrados tiram renda. Estão fazendo o consumidor ou o empresário mais pobres, porque vai depender de onde vem o subsídio. Obviamente, a correção, o mais rápido possível, é a melhor saída do ponto de vista macroeconômico, mas pode não ser o melhor do ponto de vista microeconômico. Dar uma porrada em tarifa de ônibus vai gerar protestos. É uma equação delicada. Mas reajustar isso de maneira ordenada e transparente vai ajudar a reduzir a incerteza e os juros maiores, o que constitui um belo caminho para dar previsibilidade à inflação.
“Não dá mais para engolir esta história de que o BC persegue os 4,5% (de meta anual de inflação)”
Por que as expectativas para a inflação estão tão deterioradas?
O que explica a expectativa de inflação 12 meses à frente? Primeiro a inflação atual, que é alta, beirando o limite de tolerância. Além disso, o mercado sabe que tem uma inflação futura contratada, que ninguém sabe ao certo de quanto é, nem o tempo de correção. E se falta certeza de quando haverá correção, percentuais são agregados. É algo que o BC não controla. Temos que recolocar a expectativa de inflação no centro da meta em algum prazo. Esse é mais um canal da política monetária que está bloqueado. A primeira coisa a fazer é dar uma clareza de como esses preços administrados serão reajustados.
O senhor foi um dos primeiros analistas econômicos que valiou como reais as chances de o candidato Aécio Neves vencer no segundo turno. Acredita que essa chance seria zero agora?
O Aécio foi atropelado por um fenômeno político, que foi a morte do Eduardo Campos e a substituição da candidatura dele pela da Marina Silva. Na verdade, não diria que a chance de o Aécio ganhar é zero, mas, certamente, é muito pequena. Quem é que ia imaginar que cairia um avião e que o quadro político nacional mudaria completamente dessa forma? Tanto é que, nas minhas análises, apostava que o Aécio estava indo para uma vitória no segundo turno, bem mais mais apertada do que será com a Marina. Isso porque ela pega o voto do PT, da nova classe média.
O senhor aposta, então, numa vitória de Marina Silva?
Conversei com algumas pessoas de campanha e o que disseram foi que, dado o nível de ataques que a Marina está sofrendo das campanhas do PT e do PSDB e da imprensa, que também adotou postura mais crítica à candidatura dela, era para a Marina estar caindo mais. Então, o fato de ela ter oscilado dentro da margem de erro, na verdade, é boa notícia. O que acho de concreto é que há uma incapacidade dessa campanha negativa de mudar o favoritismo da candidata, o que é visível. Mas esse favoritismo não está mudando. Pode até ter diminuído, mas não mudou.
“O que prejudica a imagem do Brasil é que a economia não cresce. O investidor quer crescimento”
Mas isso tem a ver com o histórico da Marina, certo?
É. Ela constrói um eleitorado heterogêneo, que ninguém nunca construiu. Tem voto evangélico, voto de petista, voto de jovem urbano. É uma coligação contraditória, mas ela consegue juntar tudo sem muito conflito. E tem também a questão do voto útil. Conheço várias pessoas que disseram que votariam no Aécio, mas mudaram o voto para a Marina, porque sabem que ela tem mais chance de derrotar a Dilma. Não dá para negar isso. A Marina tem entrada no segmento de dois a cinco salários mínimos, que é um voto tradicional do PT. Ela perde no grupo de zero a dois salários, que é o bastião muito concentrado no Nordeste, e que é muito difícil de reverter. Mas Marina está diminuído essa diferença.
Acredita que a era PT está chegando ao fim? Essa mudança seria positiva para a democracia?
Em geral, a alternância de poder é algo bom. Novas ideias, novas pessoas, novas políticas são positivas em qualquer país. Em 2002, quando perdeu a eleição, o PSDB estava cansado. Ser governo é uma coisa que destrói pessoas. Governo é uma máquina de moer gente. Acho que passar um tempo na oposição não fará mal algum ao PT. Recarrega as baterias, repensa algumas atitudes políticas. Enfim, não acho ruim para a democracia como um todo.
Fonte: Correio Braziliense