“BC não deve tolerar aceleração inflacionária”

    Lucinda Pinto De São Paulo

     

    A alta de 6,8% do dólar ante o real neste mês gera riscos para agentes que têm compromissos em moeda americana e à inflação. 

    Mas, ainda assim, não deve ser razão para o Banco CENTRAL ampliar as intervenções no mercado. Essa é a avaliação do ex-presidente do BC e atual sócio da Tendências Consultoria Integrada Gustavo Loyola. 

    O risco que o BC deve mitigar neste momento é o da inflação. E, por isso, ele defende que o ciclo de aperto monetário seja prolongado. 

    A alta do dólar, em sua visão, tem um ingrediente externo, com o aumento da aposta na elevação dos juros americanos. Mas há um componente local muito mais relevante, em sua opinião. Veja os principais pontos da entrevista. 

    Valor: O dólar já tem valorização de 6,8% no mês de fevereiro. São fatores domésticos ou externos os que mais pesam nesse movimento? Gustavo Loyola: Embora os dois fatores estejam presentes, o doméstico está pesando mais. Isso se vê claramente na comparação da performance do real com outras moedas de países que têm características parecidas com as nossas. 

    De fato, o rali do dólar começou com a fala do [ministro da Fazenda, Joaquim] Levy, mas aquela manifestação não seria condição suficiente para levar o dólar a esse patamar. 

    Depois, houve uma série de fatores. Piora da percepção de crescimento da economia, com indicadores muito ruins, escolha do novo presidente da Petrobras [Aldemir Bendine], que desagradou, dados negativos sobre a avaliação da presidente e do governo, o que piorou a percepção sobre a situação política. No exterior, houve dados da economia dos EUA, que aumentaram chances de uma mais imediata alta de juros. Isso também contribuiu. Mas as questões locais estão pesando mais. 

    Valor: Como se deve ler essa alta do dólar? Trata-se de um movimento de proteção ou é uma aversão ao risco com realocação de portfólio? Loyola: Existe uma questão mais técnica, mais de longo prazo, que é a percepção da insustentabilidade do déficit de transações correntes no nível de 4% do PIB. Há a percepção de que isso tem que levar a uma correção do dólar para que esse déficit possa ser reduzido. No curto prazo, não deixa de ter algum movimento de proteção, tendo em vista as incertezas mencionadas. 

    Então, há um forte componente de aversão ao risco no curto prazo, que tem a ver com esses episódios que aconteceram no campo político. Essa ideia de que o Brasil vai crescer menos, conjugada com a divulgação dos indicadores fiscais de 2014, colocaram em xeque a viabilidade de se atingir a meta fixada pelo ministro Levy. 

    Mesmo ele anunciando novas medidas, isso acabou ficando em xeque. A eleição do Eduardo Cunha [para a presidência da Câmara], com uma posição mais beligerante em relação ao governo, a dificuldade da base de aceitar as medidas propostas… Tem muita notícia ruim. São muitas coisas convergindo de maneira negativa. 

    O mercado, nesse momento, tende a extrapolar. Talvez esteja havendo um “overshooting”. 

    Valor: Mas a desvalorização não vem ao encontro da expectativa de que o câmbio passe por um ajuste? Loyola: Ajustes muito abruptos, principalmente com alta volatilidade, trazem altos riscos. Há agentes econômicos que têm posições de dívidas, compradas ou vendidas. 

    Tem a questão das incertezas que gera do ponto de vista contratual do comércio exterior. É difícil se proteger do ajuste cambial. É difícil e caro. Evidentemente que os ajustes mais lentos, com menor volatilidade, trazem menores riscos. 

    Mas também são coisas que acontecem. 

    O franco suíço passou por um processo desse. Isso causa alguma turbulência. O Banco CENTRAL tem procurado, de alguma forma, mitigar isso com a ração diária de derivativos. Quando há um processo bastante forte de ajuste, o Banco CENTRAL não tem muito o que fazer. Se ele resistir demais, ele desperdiça munição. 

    Valor: Então não é hora do BC reforçar o programa de swaps… 

    Loyola: Eu acho que não. Apesar dos riscos que existem num processo desse, é preciso que o ajuste seja feito. O BC tem que usar seus outros instrumentos de política monetária para evitar que essa alta do dólar acabe se transformando numa pressão inflacionária mais complicada. Essa reação do BC tem que se dar no domínio da política monetária, não cambial. O BC não deve tolerar nenhuma aceleração inflacionária. 

    A inflação já está alta, já tem o componente de ajuste de preços relativos. Se o BC deixar isso meio solto, a própria inércia inflacionária leva a inflação para um patamar muito acima do teto superior da meta. E aí os custos mais à frente vão ser muito piores, inclusive o custo do ajuste. 

    Valor: Então, o senhor acha que, com a recente desvalorização cambial, o Banco CENTRAL terá de reforçar o aperto monetário? Loyola: Sem dúvida. Não é uma escolha fácil para o Banco CENTRAL, porque a atividade econômica está anêmica. Mas, neste momento, o BC tem que escolher um caminho que seja o mais sustentável a médio prazo e que leve a uma chance de retomada do crescimento em 2016. E a retomada passa por uma queda da inflação. Com inflação nesse patamar, não há recuperação da atividade possível.

     

    Fonte: Valor Econômico

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