Inflação acima de 6% põe ação do BC em debate

    Por Flavia Lima | De São Paulo

    A trajetória do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) coloca pressão sobre a política monetária e lenha na fogueira de uma forte discussão entre economistas de dois campos diversos: os que avaliam que o Banco CENTRAL não conseguiu domar a inflação, mesmo depois de uma alta de 3,75 pontos percentuais na taxa Selic, e, portanto, defendem um choque de juros; e os adeptos do gradualismo, que ainda apostam nos efeitos defasados da política monetária. Em 12 meses, até março, o IPCA bateu os 6% (alta de 6,15%), algo que não ocorria desde agosto do ano passado, chegando mais perto dos 6,49%, nível em que se encontrava quando o BC iniciou o ciclo de aperto dos juros.

    “A política monetária funciona, sim”, diz a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Segundo ela, o aperto monetário terá algum efeito sobre a inflação, ainda que com alguma defasagem. “Acho que ainda veremos um alívio em serviços ao longo do ano”. Para Zeina, para um mesmo nível do mercado de trabalho, as expectativas hoje pioraram, o que torna mais complicado trazer a inflação para mais perto do centro da meta apenas com o instrumento de política monetária. “O papel da política fiscal seria fundamental”.

    Há, no entanto, os que avaliam que a taxa de juro de equilíbrio – aquela que estabiliza a inflação – é mais alta, sendo necessário um prolongamento do ciclo de alta da taxa Selic. Para o economista do Banco Pine, Marco Caruso, se o Banco CENTRAL não levar o juro real acima do equilíbrio, ou seja, se ele não fizer um ajuste tal que a Selic descontada a inflação passe dos 5%, os preços não vão ceder. “A Selic a 11% é suficiente para não ter efeitos adicionais de inflação. Para fazer com que ela ceda, tem que haver um overshooting [forte disparada] do juro real”, diz.

    Para Caruso, o se objetivo é trabalhar com pressões de inflação menores daqui para frente, de modo a quebrar o ciclo de deterioração das expectativas de inflação, inevitavelmente teremos que passar por um ajuste no mercado de trabalho. “Todo o alívio de inflação sem o devido ajuste no mercado de trabalho e no juro real vai ser sempre um ajuste temporário”.

    Entre o choque e o gradualismo, Zeina fica com o gradualismo monetário e o choque fiscal. Para ela, um choque monetário poderia penalizar investimentos e piorar os indicadores fiscais. “Tenho receio de um choque monetário por conta do baixo crescimento. E tenho dúvidas se estamos com um mercado de trabalho tão apertado. Saiu gente do mercado, mas em termos de geração de vagas não consigo ver mercado vibrante”, diz a economista.

    Para Zeina, a taxa de juros neutra talvez não fique muito acima de 5% por conta de alguns fatores, como um mercado de crédito menos pujante, queda da confiança de empresários para investir e exportações andando de lado. “Respeito o argumento dos que defendem um choque de juros, mas, mesmo depois desse IPCA mais forte, mantenho minha posição. Não consigo ver tanta força na demanda”, diz. “Estou no stand-by”.

    Alberto Ramos, diretor de pesquisas econômicas para a América Latina do Goldman Sachs, afirma que houve claramente uma “desancoragem” das expectativas dos agentes e a deterioração pode ter sido pior do que o BC esperava. Segundo ele, a verdade é que o mercado de trabalho continuou bastante apertado gerando pressões de custo (salários) sobre a inflação, o que explicaria essa inércia talvez um pouco maior do que o esperado originalmente em relação à inflação.

    Segundo Ramos, a autoridade monetária não conseguiu ancorar expectativas de inflação. “Tudo o que foi feito do ponto de vista de política macro, e não estou falando só de política monetária, mas de política fiscal e parafiscal, acabou por enfraquecer o efeito da política monetária“. Com as expectativas piorando na margem e o desalinhamento entre políticas cambial e fiscal – o que reduz a efetividade da política monetária -, Ramos diz ser possível que 2014 chegue ao fim com um cenário bem parecido com o de 2013: de credibilidade de política macro muito baixa e inércia muito alta.

    Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) corrobora a visão de alguns analistas ao indicar uma elevada persistência inflacionária no Brasil quando comparado a outros países que se utilizam de metas de inflação. O trabalho foi conduzido pelo pesquisador Shaun K. Roache e divulgado no início de abril e não espelha, necessariamente, as posições do fundo.

    Roache partiu das expectativas inflacionárias dos agentes para comparar a persistência da inflação no Brasil e em outros países com meta de inflação e identificou elevação da persistência da inflação brasileira – especialmente quando ela é medida pelo impacto das mudanças sobre a inflação real nas expectativas sobre o futuro – em contrate com outros países, incluindo emergentes. Para o pesquisador, a persistência em muitos dos países estudados tendeu a perder força levada por um quadro que combinou acúmulo gradual de credibilidade política e de expectativas de inflação cada vez mais bem ancoradas.

     

    Fonte: Valor Econômico

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