“Liderança” do PIB divide opinião de economistas

    Por Vanessa Jurgenfeld | De São Paulo

    Às vésperas da divulgação de mais um resultado trimestral do Produto Interno Bruto (PIB) – quando se espera um resultado ruim dos dados de investimento e um crescimento maior do consumo das famílias -, economistas divergem sobre qual tem sido o motor do crescimento da economia brasileira. Na média dos últimos 11 anos e em uma análise sobre a variação acumulada de 2003 a 2013, o investimento lidera, argumentam, com diferentes planilhas, um grupo de economistas. A baixa taxa de investimento em relação ao PIB e a maior contribuição do consumo para o PIB sustentam o argumento do segundo grupo, que refuta a indução pelo investimento e entende que é o consumo que tem puxado o crescimento.

    “Difundiu-se a ideia de que o crescimento da economia brasileira é puxado pelo consumo. Isso está errado”, disse Nelson Barbosa, ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante palestra na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no início do mês.

    Numa análise de longo prazo, Barbosa se contrapõe à visão corrente de que o crescimento econômico dos anos Lula e dos três primeiros anos da presidente Dilma Rousseff foram empurrados, sobretudo, pelo consumo.

    Apesar das políticas que incentivaram e ainda incentivam o consumo, para o ex-secretário – ele deixou o governo em junho -, no período 2003- 2012, o consumo das famílias ‘puxou’ o crescimento da economia, ou seja, cresceu mais do que o investimento, só em quatro momentos (2003, 2005, 2009 e 2012). O investimento, por outro lado, aumentou mais do que o consumo em seis anos (2004, 2006, 2007, 2008, 2010 e 2011).

    Com base em uma projeção creditada ao Banco Central para 2013, para quem a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) – medida do investimento em máquinas, equipamentos e construção civil -, estaria prevista para crescer 6,5% neste ano, e o consumo das famílias 1,9%, ele conclui que o investimento também aumentará mais do que o consumo neste ano.

    Para reforçar o argumento, o ex-secretário usa a taxa anual de crescimento dessas variáveis e também a variação acumulada nos 11 anos (2003-2013) e chega à mesma conclusão em ambas as análises: o crescimento brasileiro foi puxado pelo investimento. “Se você olhar a relação consumo e investimento, o que cresceu mais no Brasil foi o investimento, a não ser em anos de ajuste macroeconômico, como 2003 e 2005, e em anos de grande instabilidade internacional, como 2009 e 2012.”

    De acordo com Barbosa, a grande questão está no forte avanço da importação no período. “Do ponto de vista da demanda agregada, o problema é que grande parte desse aumento foi crescentemente suprido pelas importações”, disse. “O investimento poderia ter crescido mais? Poderia ter crescido mais”, acrescentou, mas aí, diz, houve uma questão de escolha, como uma política de distribuição de renda baseada no consumo.

    O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Antônio Carlos Macedo, concorda com Barbosa. Diz que é impossível partilhar da “visão daqueles para quem, nos últimos anos, o crescimento brasileiro foi puxado pelo consumo. Até porque é quase impossível compreender isso”, afirmou. Segundo Macedo, numa análise dos dados do IBGE, desde 2004 o investimento cresce mais rapidamente do que o consumo, “com exceção de alguns poucos trimestres”.

    Em um olhar sobre a taxa média da expansão, de 2003 a 2013, do PIB, da FBCF e do consumo das famílias, Marcel Balassiano, economista da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), chegou a um crescimento médio da economia também liderado pelo investimento neste período. Mesmo excluindo o ano de 2010, que na avaliação de Balassiano prejudicaria a comparação por ter sido atípico – posterior à eclosão da crise mundial, no qual houve crescimento expressivo de 7,5% do PIB, depois de retração de 0,3% no ano anterior -, a FBCF teria aumentado no período mais do que o consumo: o investimento cresceu 4,4%, o PIB, 3,1%, e houve expansão de 3,8% na taxa média de consumo.

    A análise de Balassiano, no entanto, faz algumas observações diferentes das usadas por Barbosa ao dividir o período de 11 anos em governos. Com essa divisão, o economista do Ibre chegou à conclusão de que foram os anos Lula os principais responsáveis pela taxa média de crescimento do investimento maior do que a taxa média de crescimento do consumo entre 2003 e 2013.

    Segundo ele, na média dos dois governos Lula (2003-2010), o PIB cresceu 4%, o consumo, 4,5% e a FBCF cresceu mais: 7,1%. Quando excluído o ano de 2010 (pelas mesmas razões estatísticas anteriores), a taxa média de crescimento do PIB dos dois governos Lula vai para 3,1%, a do consumo fica em 3,8% e a da FBCF, 4,4%. Ou seja, o investimento mantém-se na liderança nos dois governos Lula.

    Balassiano destaca, porém, que, quando observados os últimos três anos (2011, 2012 e as previsões do Ibre para o fechamento de 2013), correspondentes ao governo da presidente Dilma, a principal variável para o crescimento da economia passa a ser o consumo. Nos três primeiros anos do governo Dilma, o PIB teria apresentado taxa média de crescimento de 2%, o consumo das famílias, de 3,2%, e a FBCF, 2,5%. “Isso se dá pela insistência do governo em continuar os estímulos ao consumo, em vez de focar nos investimentos”, diz.

    O olhar sobre as mesmas variáveis também muda a partir da ótica de Luiz Carlos Mendonça de Barros, diretor-estrategista da Quest Investimentos e presidente do BNDES entre 1995 e 1998. Para ele, o consumo das famílias foi o principal elemento a puxar a economia entre 2004 e 2011.

    Isso se explica pela linha de consumo, no gráfico, posicionada em nível superior à linha do investimento em boa parte do período. De 2011 em diante, o investimento estaria em nível superior ao consumo, mas “porque o consumo bateu no teto”, conforme explica o economista. Ou seja, apesar da taxa média de crescimento maior, o investimento foi, sobretudo, uma resposta à aceleração do consumo, que veio antes.

    Além disso, argumenta o ex-presidente do BNDES, a partir de 2011 o investimento aumentou apenas em alguns setores específicos, basicamente em bens de consumo para a nova classe média. “Se a partir desse momento [2011], a confiança no futuro estivesse ancorada, o investimento passaria a outro estágio, que é o de aumentar a capacidade produtiva do país como um todo, e não só nos segmentos em que a demanda privada criou gargalos de mercado.”

    Mendonça de Barros lembra que há outras diferenças importantes entre os governos Lula e Dilma. Segundo ele, durante boa parte dos anos Lula, houve ocupação de capacidade ociosa pela indústria para atender ao crescimento do consumo, e benefícios do lado da demanda chinesa pelos produtos primários brasileiros, o que permitiu aumentar importações de bens de consumo duráveis sem pressão inflacionária, o que não ocorreu no governo Dilma.

    Na sua avaliação, um dos aspectos mais importantes nessa análise é que houve uma mudança no “metabolismo” da economia entre os governos Lula e Dilma. A presidente Dilma, na sua avaliação, teria insistido nos estímulos ao consumo e apenas colheu mais inflação e mais ansiedade dos investidores com o enfraquecimento do compromisso de austeridade fiscal que vinha sendo perseguido.

    Segundo Mendonça de Barros, o governo encontra-se hoje numa “armadilha” relacionada à inflação e à falta de confiança dos empresários para realizar investimentos.

    Fernando Ferrari Filho, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também considera que o consumo tem sido o principal ‘motor’ da economia brasileira nos últimos anos. Para afirmar isso, ele se baseia na taxa de investimento da economia em relação ao PIB, que se manteve nos últimos anos abaixo de 20%, patamar considerado baixo.

    Segundo ele, a maioria das políticas implementadas nos últimos anos [segundo governo Lula e governo Dilma], como resposta à crise [de 2008], foram predominantemente para incentivar o consumo, como a redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis. Poucas medidas, afirma, foram relacionadas a investimentos. “Passado o ponto mais forte da crise, entre 2008 e 2009, o governo deveria ter sinalizado medidas mais concretas para dinamizar o investimento e acreditar em medidas pontuais para o consumo”, criticou.

     

    Fonte: Valor Econômico

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