Maior transparência poderia reforçar credibilidade do BC

    Os analistas econômicos, de forma geral, receberam com descrença a afirmação feita pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central de que a política fiscal caminha do campo expansionista para o de neutralidade. Não se deve descartar a hipótese de que, efetivamente, a gastança do governo deixe de atrapalhar o controle da inflação. Mas, para sustentar a sua hipótese e manter a credibilidade perante os mercados, é indispensável que a autoridade monetária amplie a transparência sobre o assunto.

    A avaliação de que a política fiscal caminha para a neutralidade consta da ata, divulgada na semana passada, da reunião de agosto do Copom, que subiu a taxa básica de juros de 8,5% ao ano para 9% ao ano. “Para o Comitê, criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade”, diz o documento. Política fiscal neutra é aquela que não produz nem expansão nem contração da demanda agregada e, portanto, não atrapalha nem ajuda o combate de pressões inflacionárias.

    A declaração foi recebida com ceticismo. “O BC está colocando a sua credibilidade na fogueira. Ele já errou em 2012, ao dizer que o governo seguiria uma política fiscal austera e, agora, lança uma sinalização à qual todos os indícios seguem em sentido contrário”, disse a economista da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro, de acordo com reportagem publicada pelo Valor na sexta-feira, que colheu opiniões semelhantes de outros especialistas.

    Embora os analistas econômicos tenham reunido bons elementos para sustentar sua visão de que a política fiscal seguirá expansionista, a hipótese de que ela já chegou ao limite de deterioração e se desloca para o campo da neutralidade não pode ser rechaçada com absoluta certeza, dada a ausência de indicadores confiáveis e incontestáveis.

    Hoje, o Banco Central usa como ferramenta para medir a instância fiscal – se neutra, contracionista ou expansionista – o chamado resultado estrutural do setor público. Ele é calculado a partir do superávit primário, descontadas as receitas e as despesas extraordinárias e aquelas ligadas ao ciclos econômicos.

    Poucos discordariam que, do ponto de vista teórico, essa é a medida mais exata dos efeitos da política fiscal sobre a demanda agregada. No entanto, não há um entendimento único sobre como calculá-lo. Quais receitas e despesas devem ser consideradas extraordinárias? Em que ponto do ciclo a economia se encontra? O Ministério da Fazenda e o Banco Central desenvolveram metodologias diferentes para calcular o mesmo resultado estrutural. O setor privado desenvolve as suas próprias.

    Um outro complicador é que o superávit estrutural é estimado com base em dados que não são diretamente observáveis. É o caso do chamado hiato do produto, que representa o quanto a expansão da economia se distancia do chamado PIB potencial. Economistas do setor público e privado travam um embate interminável sobre a real dimensão dessa variável, que, na essência, mede o espaço para a economia crescer sem acelerar a inflação.

    Diante de tantas incertezas, caberia ao Banco Central vir a público e trazer mais informações para ajudar a formar a opinião dos especialistas. Tudo o que se sabe do superávit estrutural calculado pelo Banco Central está publicado em um “boxe” do relatório de inflação de março passado. A metodologia não é apresentada em detalhes. Alguns gráficos e tabelas classificam, de forma sucinta, a instância da política fiscal entre 2008 e 2012, sem apresentar escala nem valores.

    Uma das razões apontadas pelo Banco Central para manter sob reserva a metodologia usada para estimar o superávit primário estrutural e os resultados de seus cálculos é justamente o fato de se tratar de uma variável não observável. Banco centrais no exterior, porém, tem procurado abrir esse tipo de informação. O Federal Reserve (Fed), que em tempos passados foi um exemplo de opacidade na condução da política monetária, hoje divulga as projeções dos membros para a taxa natural de desemprego e crescimento potencial.

    No Brasil, uma maior transparência sobre o cálculo da instância fiscal contribuiria para reforçar a credibilidade do Banco Central, reduzir os prêmios de risco e, portanto, os custos da política desinflacionária.

     

    Fonte: Valor Econômico

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