Acordo na Câmara permitiu aprovação de destaque que retirou do texto de criação do Ministério da Segurança Pública o item que previa a redução do instituto para criação de outro órgão
Governo aceitou destaque que retirou do texto o item referente ao Ipea e a oposição, em contrapartida, evitou obstruir a votação
Brasília – Acordo firmado hoje (13) entre deputados da oposição e do governo contrários ao desmembramento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) conseguiu acabar com a possibilidade de redução do órgão, pretendida pelo governo de Michel Temer. Esta possibilidade vinha sendo discutida e criticada desde que, no último dia 29, foi incluído no relatório do projeto de conversão da Medida Provisória (MP) 821, que institui o Ministério da Segurança Pública, a criação de um novo instituto voltado a pesquisas nesse setor, a ser formado por parte dos servidores do Ipea.
Chamada de “jabuticaba”, pelo fato de ter sido incluída de última hora no texto do relator da matéria, a iniciativa foi alvo de muitas queixas e até mesmo de reuniões de servidores federais pelo fato de não ter dado espaço para a realização de debates nem, ao menos, negociações com a diretoria do órgão. Conforme o acordo firmado, o governo concordou em aceitar a aprovação de um destaque que retirou do texto o item referente ao Ipea. Em contrapartida, a oposição evitou obstruir a votação. Agora, a matéria, com votação devidamente concluída na Câmara, segue para apreciação pelo plenário do Senado.
O clima de revolta entre os servidores do Executivo por causa do possível desmembramento foi tão forte que entidades que integram o Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) pediram uma audiência com o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, nesta quinta-feira (14), para discutir a situação do órgão, entre outros temas.
Jabuticaba é o termo como ficaram conhecidos, em 2015, no Congresso, os itens incluídos de última hora nas propostas legislativas pelo então presidente da Câmara, o ex-deputado Eduardo Cunha, hoje preso. São vistas até hoje como uma forma de evitar o debate sobre alguma questão a ser votada e, ao mesmo tempo, uma tentativa de favorecer empresas e pessoas ligadas a determinado grupo político durante as votações no Congresso Nacional.
Com a mesma estratégia iniciada por Cunha, o senador Dário Berguer (MDB-SC) incluiu o item sobre o desmembramento do instituto no seu relatório na comissão especial que aprecia a medida provisória. Isso, no dia em que a matéria foi votada para ser encaminhada ao plenário.
Regimentalmente, quando o relatório com o parecer do parlamentar relator sobre determinada matéria é apresentado, é aberto prazo para apresentação de emendas, depois para discussão do texto e, na sequência, sua posterior votação para que depois disso este siga para o plenário.
Mas o caráter de inclusão do trecho no relatório de Dário Berguer foi tão imediato que a proposta foi aprovada dessa forma pela comissão, sem direito a muitos questionamentos. E já seguiu para apreciação pelos plenários das duas casas (Câmara e Senado).
Mobilização
O senador disse que fez a inclusão, porque considerou pertinente a divisão dentro do Ipea e não avaliou como algo que fosse prejudicar o órgão que, ao contrário, vai ajudar o ministério da Segurança Pública. Berguer afirmou, ainda, que a separação não iria atrapalhar os recursos destinados nem ao instituto nem à nova entidade a ser criada. Sua justificativa, entretanto, não agradou os servidores.
“Não vamos deixar o Congresso aprovar mais esse absurdo. O governo Michel Temer tem atacado, de todas as formas, servidores e instituições públicas. Trabalharemos em conjunto com outras entidades pelo veto a este item da MP”, afirmou o presidente do Fonacate, Rudinei Marques.
A Associação dos Funcionários do Ipea (Afipea) divulgou nota qualificando a medida como uma espécie de “esquartejamento”. A entidade criticou a postura do governo e da sua base aliada no Congresso, por não terem consultado os servidores do Ipea e nem, ao menos, a presidência e seus diretores (que também não foram ouvidos). Destacou, ainda, que o instituto desenvolve pesquisas em todas as áreas setoriais do governo para subsidiar a formulação e avaliação de políticas públicas.
Também o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) divulgou nota apoiando a mobilização da Afipea. O Sinal ressaltou no documento – em que também criticou qualquer mudança – que a iniciativa e a forma como a emenda foi apresentada devem servir de alerta para os servidores públicos federais de um modo geral.
“Precisamos ficar atentos diante de alterações estruturais que têm sido propostas sem um ambiente de diálogo amplo, em especial no que se refere a órgãos de tamanha importância estratégica para o Estado”, ressaltaram os dirigentes do sindicato, no documento.
Relatório
O novo órgão proposto para ser criado a partir do desmembramento do Ipea é o Instituto Nacional de Estudos de Segurança Pública. Agora, não se sabe mais quando vai ser criado, nem com que recursos. A crise maior entre os servidores da entidade se deu porque foram dois técnicos do próprio Ipea que, sem saber, ajudaram a nova pasta com sugestões sobre estudos a serem desenvolvidos para monitoramento e controle da violência.
Conforme um deles contou, foi apresentada, em meio a esse trabalho, a sugestão para criação de um instituto específico vinculado ao ministério que está sendo formado. Eles só não esperavam que o tal instituto fosse criado justamente a partir do seu órgão de origem.
Segundo Alexandre Cunha, um dos autores do trabalho elaborado a pedido do ministro de Segurança Pública, Raul Jungmann, ele não tinha qualquer conhecimento da emenda à MP. “Nada justifica o envolvimento do Ipea na criação desse outro instituto nacional”, afirmou, em tom insatisfeito.
Criado em 1964, o Ipea conta, hoje, com mais de 300 pesquisadores e tem tido seu orçamento reduzido nos últimos anos, mas continua sendo conhecido como uma referência na formulação de políticas públicas para o país.
O instituto também tem enfrentado crises internas, como a mais notória, no ano passado, que consistiu numa espécie de censura a nota técnica feita por uma pesquisadora, com críticas à proposta que congelou os gastos públicos por 20 anos – o que nunca tinha acontecido na sua história.
Fonte: Rede Brasil Atual