Políticos faturam com terceirização

    Relações entre parlamentares e firmas contratadas para fornecer

    SIMONE KAFRUNI
    ANTONIO TEMÓTEO

    Na guerra travada pelas empresas terceirizadas em busca de contratos com órgãos públicos, o alvo são os desembolsos milionários dos governos, que, até 9 de novembro deste ano, somaram R$ 588,212 milhões apenas para serviços de limpeza e conservação e de vigilância no Executivo Federal. Para adicionar ainda mais polêmica nas relações desse setor com o serviço público, chama a atenção o fato de políticos terem ligações com boa parte das firmas. Muitos parlamentares e seus familiares são donos de companhias, e bancadas em favor do lobby dessa categoria empresarial existem no Congresso Nacional e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.

    A família da deputada distrital Eliana Pedrosa (PPS), por exemplo, é proprietária da empresa Dinâmica, que já embolsou R$ 25,7 milhões nos 11 primeiros meses do ano em contratos com o governo federal. A deputada afirma que se afastou dos negócios desde que foi eleita, em 2002, e nega qualquer ação em benefício da firma. O também deputado distrital Cristiano Araújo (PTB) é sócio de várias empresas, entre elas a Vipasa, de vigilância. Sua assessoria alega que, atualmente, não há nenhum contrato em vigor com a administração pública.

    “Há firmas que fazem verdadeiras guerrilhas. Acertam combinações e fraudes que oneram
    o erário público, porque tiram das licitações o caráter concorrencial, que é a base do processo”

    Melillo Dinis, especialista em direito público

    Outro que tem relações com o setor é o deputado distrital Robério Negreiros Filho (PMDB). O pai dele, Robério Negreiros, é dono da Brasfort, que já faturou R$ 16,7 milhões em vários contratos com o Executivo federal. O parlamentar argumenta que foi apenas empregado da empresa, não possui qualquer vínculo com a companhia e atua como defensor dos diretos dos trabalhadores e pela transparência do setor.

    O advogado Pierre Tramontini, da Tramontini Advocacia, alerta que não existe uma lei para regulamentar o lobby, somente propostas para evitar que tal situação fique obscura. Porém, a aprovação depende dos próprios parlamentares e muitos, obviamente, não têm interesse na aprovação dos projetos. “O que mais se vê em termos de irregularidades nas licitação são acordos entre partes distintas”, diz. Isso significa, segundo ele, que, muitas vezes, há conivência de gestores dos órgãos públicos. “A conduta das pessoas é que está errada, não a lei. Contudo, se um agente fere a moralidade, pode responder por improbidade administrativa, cuja punição é aplicação de multa, perda do cargo e suspensão de mandato por contrariar os princípios da administração pública”, esclarece.

    Superfaturamento

    Como a impunidade é recorrente no país, serve de combustível para as irregularidades em licitações, que abarrotam o Judiciário com suspeitas de contratos superfaturados e de formação de cartel. Com frequência assustadora, empresas fecham as portas e desaparecem, carregando com elas faturas pagas por ministérios, secretarias e autarquias. Foi o que fez, por exemplo, a Adminas, que, em agosto, deixou milhares de pessoas sem salário em seis órgãos federais. Os calotes oneram também os cofres públicos, já que, nesses casos, é responsabilidade dos contratantes honrar os compromissos com os funcionários terceirizados.

    Especialistas alertam que a lei que regulamenta as licitações, a 8.666, é antiga, de 1993, e tem muitas brechas que permitem fraudes. Na avaliação do advogado Melillo Dinis, especialista em direito público, não há lei que impeça a corrupção. “A legislação é feita para evitá-la. O que falta aos órgãos públicos é, sobretudo, a capacidade de apurar informações precisas sobre as empresas que vão contratar. Há firmas que fazem verdadeiras guerrilhas. Acertam combinações e fraudes que oneram o erário público, porque tiram das licitações o caráter concorrencial, que é a base do processo”, avalia.

    Sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, o advogado Roberto Lima diz que a lei prevê cerca de 30 hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitações, mas enumera, entre as brechas mais utilizadas para fraude, os contratos emergenciais, os convites e a prerrogativa de notória especialização do prestador de serviços. “Como a administração pública falha no seu planejamento, chega a situações de emergência, que também podem ser provocadas. É mais fácil impugnar a licitação e fazer um contrato emergencial”, explica. No caso do direito a fazer três convites, previsto em lei, o gestor pode estar alinhado com as empresas terceirizadas, fazer um acerto no qual a escolhida dê o menor lance e as outras duas, valores maiores.

    A demora na fiscalização pelos tribunais de Contas da União, estados e DF é outro problema grave, ressalta Gildásio Pedrosa, especialista da firma Veloso de Melo Advogados. “Contra a má gestão e a desonestidade das pessoas não há quem possa. O que o país precisa é de um sistema de fiscalização eficiente e de punição eficaz”, sugere, ressaltando que os tribunais demoram para avaliar os contratos, e ainda priorizam os de maior valor, deixando os menores mais suscetíveis às irregularidades. “O Estado é inchado, não se consegue chegar a todos os órgãos. E ainda existe uma certa tolerância”, pondera.

    Barrar a licitação através de representações nos tribunais também é uma forma de provocar contratos emergenciais e, assim, manter o serviço das empresas de um cartel. “De fato, a lei prevê uma série de amarras, mas o objetivo principal é resguardar o interesse público”, diz Roberto Lima, especialista na Lei de Licitações.

    Um edital para contratar serviços de vigilância para todos os órgãos do Governo do Distrito Federal (GDF) descansa solene no Tribunal de Contas do DF (TCDF). Para o secretário-geral do Sindicato dos Vigilantes do Distrito Federal (SINDESVDF), Moisés Alves da Consolação, não há motivo para o pregão não ter sido realizado, e todas as representações legítimas já foram feitas e atendidas pela Secretaria de Planejamento do DF. “Hoje, são quatro empresas atuando, enquanto existem 52 aptas a participar da concorrência. E o processo parou porque um cidadão pediu representação. Alguém está ganhando muito dinheiro para impedir a licitação”, suspeita. A assessoria do TCDF diz que “não pode informar as últimas decisões do processo, pois o plenário decidiu pela chancela de sigilo nos autos”.

    Anticorrupção

    Uma luz no fim do túnel é a chamada Lei Anticorrupção (12.846), que foi aprovada em agosto deste ano e deve entrar em vigor em fevereiro de 2014. Para o advogado Luciano Souza, associado-sênior do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch, a nova legislação tira o foco da pessoa física e coloca na jurídica, criando punições severas para as empresas. “As companhias serão multadas em até 20% do faturamento, perderão direitos e bens e poderão ter suas atividades suspensas”, enumera.

    Na avaliação de Melillo Dinis, especialista em direito público, a nova legislação aglutina punições previstas nas leis de improbidade administrativa, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Código Civil. “Vai responsabilizar funcionários, donos e até mesmo laranjas dessas firmas, sem considerar se houve dolo ou culpa. Quem for sério vai ter que se adaptar à legislação. Quem não for, vai sofrer as sanções previstas. Quem acha que essa lei não será aplicada, está muito enganado. A pressão da sociedade é muito forte”, destaca.

    Para o advogado Fábio Martins Di Jorge, do escritório Peixoto e Cury Advogados, se a nova lei não for processada rapidamente, também não vai adiantar muito.

     

    Fonte: Correio Braziliense

     

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