Todos querem um pedaço do BC

    VM e DB

    Sem um centavo no bolso e com os bens indisponíveis, ex-banqueiros transformaram o Banco Central (BC) em alvo preferencial. Todos querem um pedaço da instituição. Em 627 processos que colocam a autoridade monetária como ré, eles exigem R$ 166,4 bilhões como reparação. Os executivos sustentam que a autoridade errou ao intervir nas suas operações e que não estavam prestes a quebrar. A Justiça, no entanto, raramente tem reconhecido essas alegações. O Correio teve acesso à avaliação de risco feita pelos advogados do BC e, em apenas 1,3% dessas ações, a derrota é dada como certa.

    Nos últimos anos, a instituição conseguiu evitar perdas de R$ 69,5 bilhões aos cofres públicos, situação que, se não fosse evitada, teria dado fim à liquidação e falência de alguns bancos e ainda deixaria banqueiros acusados de fraudes e crimes com quantias exorbitantes na carteira. “Se o BC sucumbisse aos interesses dos controladores dos bancos liquidados, isso representaria enorme prejuízo aos cofres públicos”, pondera o procurador-geral da instituição, Isaac Sidney Ferreira.

    A maior parte das ações em curso teve origem após a crise bancária que estourou no início do plano Real, que culminou na criação, pelo governo, do questionado Programa de Estímulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), nos anos 1990. Mesmo tendo sido beneficiados com empréstimos bilionários, parte dos bancos que aderiram ao socorro estatal se valeu de estratégias jurídicas para tentar pagar os débitos com dinheiro público e, com alguma sorte, ainda embolsar alguns bilhões. “A firmeza do BC foi fundamental para garantir o recebimento de 100% dos valores que eram devidos por essas instituições”, diz Ferreira. “Os controladores entraram contra o Banco Central para tentar pagar os credores com dinheiro público”, ressalta.

    Amigos políticos
    Os empresários recorreram até mesmo a amigos na política para tentar remediar os problemas. O caso do banco Econômico, um dos mais emblemáticos pela dívida de R$ 20 bilhões, teve, nos bastidores, troca de ligações entre o então senador Antônio Carlos Magalhães (ACM) e o presidente Fernando Henrique Cardoso. A instituição era a maior da Bahia, e o seu proprietário, Ângelo Calmon de Sá, amigo pessoal do senador e grande doador de campanha de inúmeros políticos. “Os banqueiros (do Econômico, do Nacional e do Bamerindus) tinham prestígio político, mas não houve contemporização”, afirma Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC.

    Nos últimos 30 anos, 16 bancos passaram por liquidação e 271 administradores acabaram inabilitados pelo BC. Nove dessas instituições foram denunciadas ao Ministério Público Federal em função de fraudes ou alguma irregularidade. Desde 1964, foram 16 mil denúncias. Um técnico que atua na área de supervisão explica que o BC aprimorou a fiscalização. Hoje, os grandes bancos são monitorados diariamente por equipes fixas do BC. Os pequenos e médios são reunidos em grupos e também passam por observação diária. “Só não dá para pegar de imediato o que é crime e fraude porque isso é feito para enganar a autoridade, mas, em algum momento, o problema vai aparecer. Aí, as equipes vão em cima”, afirma.

    Estratégia
    A maior parte da disputa entre o Banco Central e os administradores das instituições liquidadas se dá no Judiciário. O BC, atualmente, é auxiliar do Ministério Público em 45 ações contra ex-executivos de bancos, que envolvem até acusações penais. Ferreira lembra que o grau de êxito do BC em juízo é “historicamente” superior a 85%, o que, para ele, “mostra o acerto dos critérios adotados na avaliação de riscos de perda e de provisão”, observa.

    Questionado sobre punição penal para os casos de crime, o procurador-geral do BC afirma que a instituição mantém esforços, dentro dos seus limites legais, para que elas ocorram. “A responsabilização criminal daqueles que cometem delitos contra o sistema financeiro ainda não é comum no Brasil, mas antes a condenção sequer era possível”, avalia. Alguns banqueiros e executivos da área passaram cumpriram sentença nos últimos anos. Mas nenhum permaneceu atrás das grades. (VM e DB)

     

    Fonte: Correio Braziliense

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