Edição 146 – 22/11/2013
Brasil: como está fica! Até passar o período eleitoral de 2014…
Os ditos populares, e mesmo antigas brincadeiras infantis, têm muito a nos ensinar, principalmente sobre a hipocrisia que ronda as sociedades de todos os tempos.
No Brasil de hoje, corre-se o risco desse mal ser um pouco mais profundo e contaminar setores importantes, incluindo segmentos do movimento social, meio amordaçados por cooptação do poder ou distribuição de verbas que lhes dão sustentação.
Os acontecimentos desta semana no Congresso – na Casa do Povo – abrem sérios e perigosos precedentes à democracia. Procura-se garantir o clima de que tudo anda muito bem no país das maravilhas, obviamente para que a atual gestão navegue em mares tranquilos até outubro de 2014. E o gesto que prova com mais evidência a mentira posta na propaganda oficial é a tentativa de calar também setores importantes do movimento sindical, em especial, o que representa as carreiras de Estado que dependem da agenda do Congresso na luta por seus direitos.
Traduzindo: nada que cause “impacto” no Orçamento deve ser votado até as eleições presidenciais, defende acordo do Planalto com o Legislativo, segundo denuncia a reportagem “Dilma fecha acordo para não votar pauta-bomba no Congresso até 2014”. A tática, se obedientemente seguida, trará prejuízos morais, financeiros e comprometerá a qualidade dos serviços públicos, transformando todos – e todas – em carneirinhos de outro joguinho, aquele em que se determinava fazer tudo o que o mestre mandar.
É o caso de se indagar, caso os parlamentares resolvam obedecer ao comando do Planalto: o movimento sindical vai calar-se e também obedecer? Toda essa pressão do governo aumenta sobremaneira as dificuldades que estamos tendo no prosseguimento do exame de algumas matérias sobre as quais se tem muita expectativa, como as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 555/2006 e 147/2012 e a regulamentação da negociação coletiva, entre outras.
O curioso é que a presidente Dilma Rousseff não fez sequer questão de esconder que está tentando submeter o Congresso aos seus caprichos. Em comunicado no Twitter, remeteu: o pacto “é imprescindível para dar continuidade aos programas governamentais de desenvolvimento sustentável, com distribuição de renda, geração de empregos e inclusão social, investimentos em infraestrutura urbana, logística e de energia”.
“Eu me reuni hoje com os presidentes e líderes dos partidos da base aliada no Congresso: PT, PMDB, PCdoB, PP, PR, PDT, PTB, PRB e PROS. Firmamos um Pacto pela Responsabilidade Fiscal no qual todos os líderes dos partidos se comprometeram a não apoiar projetos que impliquem em aumento de gastos ou redução de receitas”, afirmou a Presidente.
Discurso combinado
Ao estilo do que se viu durante a campanha unificada de 2012, a tática é jogar a culpa de todos os males no funcionalismo, se este ousar reivindicar. Haja vista a audiência pública com a ministra do Planejamento (MPOG) Miriam Belchior, realizada anteontem, 20, na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.
Segundo os diretores de Assuntos Previdenciários do Sinal, Sérgio Belsito, e de Relações Externas, Luis Carlos, que acompanharam a sessão, até 2016 a Ministra não quer a aprovação de qualquer projeto que reajuste salários e benefícios de servidores, incluindo o dos magistrados. Para Miriam Belchior, qualquer “aumento” colocaria em risco as políticas públicas.
Numa atitude de dignidade, o deputado Roberto Santiago (PSD-SP) fez uma intervenção em defesa da independência entre os dois poderes:
“Cada poder tem sua autonomia e seu limite de atuação. Eu acho que a Câmara dos Deputados tem que votar contra ou a favor, não importa. Se o governo tem a maioria da base, quando o projeto for para votação, vota contra e derruba o projeto. O que nós não podemos é ficar sentados em cima de um projeto que tem de tramitar na Casa e fingir que não está acontecendo nada. Isso é antidemocrático. Vamos votar”, argumentou o deputado.
E, no Ministério da Fazenda, a comprovação do discurso combinado do ministro Guido Mantega. Aos banqueiros – principais aliados do atual governo – dava o recado fiscal, tentando tranquilizá-los em relação ao superávit primário de 1,5% do Produto Interno Bruto que deverá ser alcançado neste ano, bem abaixo da meta oficial de 2,4%.
Paralelamente, ressurge o ex-ministro Antônio Delfim Netto, sugerindo à Presidente ir além do discurso e assumir publicamente compromisso de que seu governo atingirá uma meta de superávit primário de 2% do PIB, em 2014.
Para não pouca gente, soa um tanto quanto embaraçoso imaginar a presidente – ex-guerrilheira e ex-presa política, nos tempos de exceção –, dando ouvidos aos conselhos de um dos principais signatários do AI-5, ato que cobriu o país de trevas e que, há menos de seis meses, em depoimento à Comissão da Verdade, disse que, se as condições fossem as mesmas, faria tudo de novo.
Enquanto isso, só recorrendo a Oscar Wilde: ‘’A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre.” Para tentar ser popular mexe-se com o que passou em 1964, anulando no Congresso a sessão que pediu o afastamento do então presidente João Goulart, algo que jamais poderá ser apagado.