Como a cobra destruiu o Paraíso?
Os jornais divulgaram no dia 24 que o Banco Central (BC) queria excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras. A Autarquia propôs ainda derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
As propostas entraram em Consulta Pública no dia 17 passado. Fazem parte de uma atualização das normas que o BC impõe aos bancos e demais instituições financeiras para combater a lavagem de dinheiro.
A proposta de retirada dos parentes da lista de vigilância dos bancos não caiu bem entre membros do Judiciário e da Polícia Federal: “Usar parentes é dinâmica contumaz quando a intenção que subjaz é a ocultação do real beneficiário. E familiares são sim formas de interposto. Tirá-los é uma fragilidade que precisa ser corrigida”, afirma Marcos Camargo, presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais.
Quanto à exigência de notificação ao COAF, o BC argumenta que a mudança vai obrigar os bancos a criar regras internas para identificar casos suspeitos, independentemente do valor envolvido. Assim, estaria aumentando a responsabilidade das instituições no monitoramento de seus clientes e nas comunicações ao COAF. Também afirma que os controles contra lavagem de dinheiro ficarão mais rígidos com a nova norma, que será alinhada às recomendações internacionais do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI).
E aí? Boas intenções mal interpretadas pela imprensa ou arrogância técnica aliada à insensibilidade para com o momento político explosivo criado justamente pelas últimas denúncias divulgadas pelos relatórios de inteligência do COAF?
A cobra no Paraíso ainda poderia se sair com a primeira explicação, o BC não.
As necessidades da sociedade brasileira na sua luta contra a corrupção devem ter precedência sobre elucubrações técnicas. Delegar aos bancos a decisão sobre o que repassar ao COAF, enquanto se espera que eles criem o seu próprio modelo de análise, soa como um “tapa” nos esforços do Ministério Público e demais órgãos de combate à lavagem de dinheiro.
Por acaso em 2019, fará 20 anos da edição da Resolução nº 2.682/99, que dispunha sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Estas mesmas instituições poderiam, a partir daquela resolução, efetuar um modelo interno de avaliação próprio, mais rigoroso, de classificação de risco de suas operações de crédito. Para a imensa maioria das instituições financeiras, jamais foi cogitada a construção de tal modelo. Porque o fariam? Para aumentar as suas próprias provisões?
Ignorando a sua própria experiência, o BC continua a nos fazer crer que eventuais instituições que ganham muito dinheiro com clientes suspeitos irão fazer um modelo complexo para entregar as movimentações destes mesmos clientes às autoridades!
No final das contas, mesmo que com um eventual recuo, a imagem do BC sai bastante desgastada com mais esta “bola fora” de sua Administração Central, pois fica difícil convencer a população de que os interesses da sociedade têm precedência sobre os dos bancos nesta Autarquia.