Edição 57 – 20/4/2016
Diferenças de regras entre homens e mulheres: um tabu da previdência social
Eng. Luiz Roberto Pires Domingues Junior
Tabu: “proibição de tocar uma pessoa, animal ou coisa por temor de uma punição de uma força sobrenatural”¹, e é com essa aura que se reveste a discussão da diferença de regras para a concessão de benefícios entre homens e mulheres, uma vez que a mulher independente de sua condição social, econômica, familiar, recebe da sociedade o direito de atingir requisitos diferenciados para obtenção de sua aposentação.
Colocar este assunto em pauta amplifica a passionalidade que já permeia per si a discussão dos assuntos afetas a previdência. Mas como já coloquei em textos anteriores, as variáveis e implicações devem ser debatidas e discutidas de forma racional e o mais isenta possível, para que as opções sejam avaliadas.
Devemos recordar que os benefícios previdenciários no Brasil deixaram de ter um caráter premial para um caráter contributivo, assim os tipos de benefícios concedidos e a sua forma de concessão determinam o custo previdenciário, que por sua vez indica a reserva matemática necessária para fazer frente a manutenção destes benefícios. Assim os benefícios previdenciários dependem de contribuição previa para a sua efetivação.
Dentre os diversos benefícios previdenciários existentes, no Regime Próprio de Previdência Social – RPPS: auxílio-doença, aposentadoria, licença para acompanhamento de pessoa doente na família, pensão; a grande diferença entre os gêneros, se encontra, na redução em cinco anos de duas variáveis exigidas para a obtenção da aposentação – tempo de contribuição e idade. Ao sair da lógica premial para a contributiva, esta diferenciação apresenta um custo financeiro direto ao sistema previdenciário, pois a mulher ao contribuir por menor tempo, apresenta naturalmente uma menor reserva matemática, reserva esta que deverá sustentar os seus benefícios (proventos de aposentadoria e possível pensão) ao longo do tempo, e aí se apresenta o segundo “problema”, a mulher tem uma taxa de sobrevivência maior que o homem, isto é, vive por mais tempo. Daí sobrevém a pergunta: Como garantir a manutenção do poder de compra do aposentado, em toda a sua expectativa de vida, com uma reserva matemática menor?
O regime de previdência complementar da União, administrado pelo FUNPRESP, indica em seu Plano de Benefícios, a necessidade de Aporte Extraordinário de Aposentadoria Normal – AEAN, que foi a forma estruturada para equacionar a diferença da reserva matemática entre homens e mulheres (contribuição de 35 anos e de 30 anos, respectivamente). Este aporte extraordinário, nada mais é que a alocação de parte da contribuição dos segurados para esta “rubrica” com o objetivo de complementar a reserva matemática dos segurados que aposentam com 30 anos de contribuição, isto é, é uma “rubrica” que tem como destino a complementação da reserva técnica das mulheres. Isto, na pratica implica na transferência obrigatória de 0,51% da renda dos homens – acima do teto do RGPS, para as mulheres. Tal política previdenciária destruiu a isonomia entre os servidores homens e mulheres. O servidor público homem, deve trabalhar por mais tempo (contribuição e idade) e ainda receberá menos…
Temos estabelecido aí o Tabu.
Vale a pena recordar, que a introdução desta diferenciação de regras entre homens e mulheres, tinha relação direta com a estrutura da família brasileira e de nossa cultura paternalista, isto é, independente da mulher trabalhar ou não, as obrigações da mulher frente ao lar era indelegável, assim a mulher trabalhadora, tinha de cumprir a segunda jornada de trabalho “no lar”. A diferenciação das regras é uma forma de compensação dada a mulher pela política de seguridade social. Mas o perfil da família brasileira tem mudado nos últimos anos, reportagem feita pela Gazeta do Povo (http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/a-nova-cara-da-familia-brasileira-0jkvbd0x965zv14ldufuq1bny) indica a nova cara da família brasileira:
Tipo de Família |
% |
Casal com filhos |
51,6 |
Mãe com filhos |
15,5 |
Casal sem filhos |
14,8 |
Mulher sozinha |
8,5 |
Homem sozinho |
7,6 |
Pai com filhos |
2,0 |
Assim temos que de 100% dos arranjos, 15,5% dependem da mulher para a sua sobrevivência, que acrescido de parte do arranjo de “casal com filhos”- onde é factível que 50% deste universo apresente uma característica paternalista – assim teríamos que cerca de 41,3% apresentam uma formação familiar que sobrecarrega a mulher. Mas a maioria da nossa formação familiar, já não apresenta esta característica. Qual a justificativa para não oferecer este benefício ao homem com filhos, que também tem uma segunda jornada?
Não estou aqui advogando a extinção destas diferenciações de regras, apenas colocando num patamar que a discussão seja clara e racional. A sociedade, os segurados da previdência, devem ser ouvidos pois o sistema exigirá a cota parte de cada um dos seus atores. Será que não se chegou a hora de estabelecer outras regras de diferenciação que favorece a família (relação com os filhos e dependentes) e não pelo gênero em si. E retomando ao do texto anterior que tratamos do Financiamento: Para que a manutenção destas regras de diferenciação, indo de encontro com a discussão de igualdade de gênero? E por que esta política de diferenciação e de fortalecimento da mulher não possa ser efetivadas com a destinação de parte dos preços públicos (taxas), valendo-se de outra fonte de renda e não só a apropriação de renda de outros segurados?
A discussão da diferenciação de regras entre homens e mulheres deve ser efetivada, e é uma decisão que deve caber a sociedade como um todo, mas para esta tomada de decisão, necessariamente, devemos conhecer de forma clara e transparente o custo previdenciário desta diferenciação. Assim sem conhecer a real situação do RPPSU, devidamente desvinculada dos militares, do RGPS e das renúncias, é impossível estabelecer qualquer diretriz para a diferença de gêneros no sistema previdenciário brasileiro.