Edição 51 - 13/4/2016

Financiamento da Previdência Social: receitas, renúncias e recuperação de créditos


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Eng Luiz Roberto Pires Domingues Junior

O servidor público, com uma regularidade cada vez mais frequente, é acusado de ser o principal promotor do rombo da previdência social, posição esta que tem se agudizado em função da crise econômica que vivemos e pela má gestão dos Fundos de Pensão – onde o maior exemplo de descalabro é o POSTALIS, onde os segurados terão de contribuir durante 23 anos para cobrir o rombo de apenas dois anos.

Tratar de previdência, já é um assunto per si, árido, de difícil entendimento, pois seus efeitos estão sempre em um horizonte longínquo e que na época da aposentação é apenas mais uma obrigação do Estado (na visão de cada segurado). No caso brasileiro, tal debate se torna ainda mais complexo, pois o Estado, não trabalha com as informações corretas, misturando “alhos com bugalhos”, impedindo de forma efetiva a compreensão do real quadro de solvência de nossa previdência, permeando em nossa sociedade a visão distorcida deste sistema, colocando o servidor público como algoz da Seguridade Social Brasileira como um todo. Na Revista Veja desta semana, na seção Página Aberta, o autor cita de forma muito clara: “1 milhão de aposentados do setor público consomem mais dinheiro do governo, na hora em que o erário paga os déficits perpétuos do sistema, do que 28 milhões de aposentados da área privada. ” Nada mais deslocado com a realidade, chegando a ser uma fraude intelectual! É o mesmo que dizer que a taxa de natalidade diminuiu na Europa porque a população de cegonha diminuiu! Causa e efeito diversos…

Para tentar colocar ordem neste importante debate devemos esclarecer alguns pontos: O sistema de previdência brasileiro é dotado, de forma geral, de quatro contas: 1 – O Regime Geral de Previdência Social – RGPS, que tem regime de vinculação obrigatório, e possui teto de contribuição de R$570,88 (quinhentos e setenta reais e oitenta e oito centavos). 2 – O Regime Próprio de Previdência Social, de cada ente federativo, e destinado aos servidores efetivos estatutários, com diversas regras de contribuição, podendo ser de 11% do salário, para quem ingressou antes de 2009, ou do mesmo valor do INSS para quem ingressou na União após fevereiro de 2009. 3 – A previdência dos militares. 4 – A previdência rural e outras renuncias ou tratamento diferenciado. Todas estas contas possui um fluxo de caixa próprio e um comportamento especifico, pois atendem demandas especificas da sociedade. Não se pode, mas é o que se faz: misturar todas estas contas, uma vez que é a União que as administra, e chegar à conclusão de que o saldo é negativo por causa da parcela dos servidores públicos, pois sobrecarregam demais o Estado. Nenhum governo, de qualquer matiz ideológica enfrentou de frente esta questão, permitindo este moto continuo de desinformação e de conclusões falsas.

Para se discutir o financiamento da previdência, deve-se olhar cada uma destas contas de forma separada, e olhar para cada uma delas de forma independente. Aqui especificamente vamos tratar do Regime Próprio de Previdência Social da União-  RPPSU. Temos que no final dos anos 1990 os benefícios previdenciários dos servidores públicos deixaram de ter um caráter premial e passou a ter um caráter contributivo, voltando a lógica dos anos 1960. Assim os marcos conceituais determinam que o sistema de previdência deve ser sustentável, e para a concessão de qualquer benefício deve ser previsto uma fonte de recursos para bancar o mesmo, na mesma lógica da Lei de Responsabilidade Fiscal, sendo que estes recursos devem ser alocados tanto pelo servidor como pelo empregador – no caso a União – em proporções previamente estabelecidas/acordadas, pois o saldo final desta conta deve ser zero. Parece lógico não? Mas as coisas não são assim tão fáceis.

Para estabelecer a necessidade de financiamento, e, por conseguinte o peso de contribuição a ser cobrado aos servidores, é necessário determinar a necessidade do custeio do RPPSU ou de sua reserva matemática, que deverá englobar: a totalidade dos compromissos já em vigor acrescido do valor total dos compromissos futuros, valores estes devidamente atualizados ou capitalizados. O valor dos compromissos atuais é trabalhado de forma simples, pois se trata de uma demanda financeira, isto é, eu tenho XXX milhões para honrar neste mês em benefícios (permanentes ou temporários) e tenho de ter este montante em caixa. Trata-se de uma necessidade de curto prazo e preocupação maior das autoridades de plantão, pois a sua falta representa problema imediato com parcela de seu eleitorado. Por sua vez o valor dos compromissos futuros, dependem da expectativa de concessão de benefício a cada segurado, e o risco dele vir a usufruir deste benefício. É a poupança para fazer frente a estes compromissos – por exemplo é a economia para bancar a faculdade de nossos filhos. Neste caso, na lógica administrativa atual, eu não preciso necessariamente ter este dinheiro em conta, eu só tenho que me preocupar quando este benefício se concretizar e virar demanda financeira mensal. A deficiência de gestão desta fatia da conta não incomoda a grande maioria dos servidores públicos ativos e ninguém vai para a rua protestar com a “não poupança” destes recursos, tanto é verdade que no ano passado quantos governadores se apropriaram da reserva matemática de seus regimes de previdência para pagar despesas correntes???? E por que a União não fez isso? Simples, ela nunca teve um órgão de gestão da previdência dos seus servidores, isto é, ela nunca efetivou esta conta, sempre foi meramente contábil, a contribuição do servidor sempre esteve disponível para pagar as contas correntes!

Mas voltando um pouco, para estabelecer a necessidade de financiamento, eu preciso conhecer a estrutura de meu sistema de previdência, isto é: Qual é a minha base cadastral? É preciso saber qual é o perfil de cada um de meus segurados, como por exemplo: idade, sexo, se possui ou não dependentes, expectativa de tempo para a aposentação, tempo de contribuição para outros regimes de previdência, comportamento salarial durante a vida laborativa, etc… Qual a minha base normativa? É preciso saber quais os benefícios que o sistema oferece, tempo de carência para os mesmos, regras de concessão, etc… E dentro da base normativa, temos os benefícios de cunho permanente: ex: aposentadoria; e as de cunho temporário: ex: auxilio doença, e ainda temos os eventos fortuitos permanentes, que quebram toda a lógica da base cadastral: aposentadoria por invalidez – principalmente por agravo do trabalho. Estas duas grandes variáveis conjugada com a hipótese atuarial estabelecida (expectativa de vida, nível de capitalização), obtemos o valor do Custeio Previdenciário ou a necessidade de reserva matemática, e daí deriva a necessidade de financiamento.

Na União temos o verdadeiro descalabro, pois como não se tem um órgão que operacionalize o Regime de Previdência, como o IPREV do DF, ou o Rioprevidencia, a base cadastral é feita por órgão, e relegado a uma seção perdida da área de recursos humanos, isto é, quando o servidor cumprir os requisitos de aposentação a “gente vê o que faz”. Nos casos de afastamento temporário, o custo do mesmo continua saindo do orçamento do órgão, sem alteração mínima para o segurado… Qual seria a lógica de se ter um controle diferenciado? Mais trabalho, para nenhum efeito?! Assim pela falta do órgão de operacionalização e gestão do sistema, a própria União – que cobra dos Estados e Municípios – não conhece de forma efetiva e eficaz a sua base cadastral, sendo a montagem de cenários de comportamento de seu regime de previdência uma predição pura. Ao não se ter o órgão de gestão não há o deposito das contribuições em conta especifica, só em função contábil, permitindo, além da não capitalização deste recurso para fazer frente aos compromissos futuros, a apropriação destes recursos financeiros por parte da União, tratando-o como se seu o fosse. Este dinheiro pertence aos servidores, pois é fruto de contribuição dos dois lados do processo – somente a União tem a modalidade de contribuir para ela mesma!!!! Tal pratica permite ilações como colocadas pela Revista Veja: “de que o governo gasta”. O governo não gasta, pois o dinheiro há muito não é dele, é dos servidores segurados e seus dependentes. O governo se apropria dos recursos do RPPSU para promover renúncia e benefícios em outras contas, fazendo com que o servidor fique com a pecha.

Assim sem arrumar o campo de jogo fica difícil qualquer discussão séria sobre o tema, misturar contas de previdência que não tem nada a ver com o RPPSU (onde duas são necessariamente deficitárias); onde não se tem uma base cadastral uniforme e única; onde não existe um órgão gestor do RPPSU, permitindo a apropriação dos recursos financeiros por parte do Tesouro Nacional, para fazer frente a despesas correntes; não se poderá nunca estabelecer a necessidade real de financiamento do regime. Tal cenário servirá, sempre para colocar a sociedade brasileira contra a massa de servidores públicos e ser utilizada pelo Governo como uma ameaça velada permanente de redução de direitos e conquistas.

Por outro ângulo temos que a degradação das condições de trabalho dos servidores públicos, com aumento dos índices de absenteísmo (empírico), aumento das aposentadorias por invalidez e afastamentos por doença, tem relação direta com a ausência de um órgão de gestão do RPPSU unificado, pois ao não se mensurar financeiramente o impacto destas ocorrências para o sistema, as iniciativas de valorização do servidor serão sempre pontuais e de repercussão limitada, pois o custo é diluído e não há interesse em soluciona-lo.

E finalmente e não menos importante temos que a legislação permite que a União financie o RPPSU com outras fontes de recursos. Por que esta possibilidade nunca é colocada a mesa? Se voltarmos no tempo, os Institutos de Previdência dos anos 1940/1960, tinham parte de seu financiamento obtidos com os preços públicos administrados pelo Estado, principalmente taxas de serviço. Por que não voltarmos esta pratica?

Com a imposição que a contribuição do servidor público é de no mínimo 11% e da União o dobro (isto é) 22%, somadas com as características da administração do RPPS, acredito que a discussão deva ser feita de forma mais técnica possível, pois acredito firmemente que estão retirando benefícios duramente conquistados, somente com a ideia de rombo da previdência, que no caso dos servidores públicos é uma falácia, pois não falta recursos, sobra!

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