Edição 55 – 14/4/2020
Os efeitos colaterais da PEC10/2020
A Câmara dos Deputados aprovou na última semana, em dois turnos de votação, depois de apenas três dias de tramitação, o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2020, denominada de “Orçamento de Guerra”. A matéria, que foi encaminhada pelo governo, teve a autoria assumida por um coletivo de deputados federais, capitaneado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM/RJ).
Emergencial, segundo os autores, devido ao momento de excepcionalidade pelo qual passa o país, exigiu a quebra do rito normal do Congresso Nacional para emendas à Constituição Federal (CF). Foram dispensadas as discussões nas Comissões, bem como o intervalo de sessões entre as votações em primeiro e segundo turno e, devido ao regime especial estabelecido em função da pandemia do novo Coronavírus (Covid-19), a votação presencial em Plenário teve de ser substituída pela virtual.
A PEC 10/2020, grosso modo, estabelece um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19. Cria um Comitê de Gestão da Crise, constituído por ministros do governo federal, responsável por aprovar as ações do regime emergencial e dá ao Congresso Nacional poder para sustar qualquer decisão desse Comitê, em caso de ofensa ao interesse público, com vigência até 31 de dezembro de 2020.
As intenções declaradas, seriam a de separar os recursos movimentados para o combate à Covid-19 daqueles constantes do Orçamento da União regular, para facilitar a fiscalização futura e dar segurança jurídica ao governo, que requer rapidez para executar as despesas desse crédito extraordinário.
No que se refere ao Banco Central (BC), sua atuação ganha em importância, pela instituição do poder de comprar e vender títulos de emissão do Tesouro Nacional nos mercados secundários, local e internacional, e direito creditório e títulos privados de crédito no âmbito de mercados secundários financeiros, de capitais e de pagamentos. O montante total de cada operação de compra de direitos creditórios e títulos privados de crédito deverá ser aprovado pelo Ministério da Economia e imediatamente informado ao Congresso, cabendo ao presidente do BC prestar contas ao Legislativo, a cada 45 dias, do conjunto das operações realizadas no período.
Duras críticas vêm sendo feitas a esses novos poderes do BC, direcionadas fundamentalmente à possibilidade de que suas operações no mercado secundário de títulos privados, com recurso do Tesouro Nacional, possam, na prática, vir a se tornar uma forma de socorro aos bancos mediante a aquisição dos chamados “títulos podres”, ou seja, sem condições de recebimento no futuro.
O senador Antônio Anastasia (PSD/MG), relator da matéria no Senado Federal, onde poderá ser votada virtualmente em Plenário amanhã, 15 de abril, também em dois turnos, apresentou substitutivo com alterações importantes no texto vindo da Câmara, retirando, por não terem fundamentação técnica, a criação do Comitê Gestor de Crise, avaliando que o Presidente da República já tem a competência para coordenar as ações do Poder Executivo; a obrigatoriedade da autorização pelo Ministério da Economia para cada operação com títulos privados feita pelo BC e a obrigatoriedade do Tesouro Nacional aportar no mínimo 25% do capital de cada operação.
Relativamente às novas funções do BC, o substitutivo especifica quais modalidades de ativos poderão ser adquiridos, exige avaliação de qualidade de crédito realizada por agência internacional de classificação e publicação do preço de referência por entidade do mercado financeiro acreditada pelo BC.
A prestação de contas ao Congresso Nacional sobre as operações realizadas passa a ser mensal e o BC fica obrigado a publicar diariamente todas as informações sobre essas operações, como quais títulos foram comprados, espécie, montantes, taxas, prazos, liquidez dos títulos e riscos envolvidos nas operações. Finalmente, o substitutivo traz novo artigo que explicita que o Congresso Nacional pode sustar, por meio de decreto legislativo, atos do BC incompatíveis com o texto da futura emenda constitucional.
Caso o substitutivo seja aprovado pelo Senado, o texto da PEC 10/2020 retornará à Câmara para apreciação das alterações processadas.
Assim como no combate à Covid-19 na área médica, também na formulação da fundamentação legal e jurídica que dá o suporte necessário para as ações da área administrativa, é preciso ter muito cuidado com os novos remédios que, sem as devidas análises de seus efeitos colaterais, aparecem como sendo a solução mágica para a cura da doença, mas que, embora efetivos contra o vírus combatido, podem levar a óbito o paciente devido a enfermidades por eles ocasionadas.
Ainda em relação à PEC 10/2020, a discussão sobre as medidas a serem tomadas é absolutamente necessária e mesmo em um momento de exceção, quando a tempestividade é fundamental para o sucesso das ações, os ritos consagrados de tramitação no Congresso Nacional, que só existem para permitir, de acordo com a experiência de décadas, o aprimoramento dos textos a serem apreciados, deveriam ser minimamente respeitados, principalmente quando se trata de modificar a já tão remendada – 105 emendas em menos de 32 anos -, Constituição Federal.