Edição 10 - 25/02/2005

A “cultura do pacote” no BC: embrulha e manda, que o funcionalismo “engole”

De duas, uma: ou o Banco não aprendeu com o fracasso da reestruturação de ’99, ou o “pacote” de desmonte virou receita de bolo.

Só assim se explica que se estejam repetindo com as CAPs os mesmos erros havidos em outras Unidades do Banco. Os passos são os mesmos: surdina para “embrulhar”, supetão para entregar o pacote pronto. E as conseqüências também já são conhecidas: transtornos para o funcionalismo, prejuízos para a sociedade e desgastes na imagem do Banco.

O que estão pretendendo – há uma proposta anunciada pelo Diretor Fleury, atribuída por alguns ao próprio presidente Meirelles, de concentrar o atendimento ao público em um 0800 centralizado e automatizado em Brasília. Exatamente como pretendia Tereza Grossi (ex-diretora de fiscalização do BC e hoje diretora de um banco privado): não queria fiscalizar bancos estrangeiros e achava que o 0800 resolveria as demandas da população junto ao SFN.

Como pensam em fazer – O BC comprou uma plataforma de software à SAP por R$ 10 milhões e pagou R$20 milhões à IBM, para prestar consultoria. Esse software foi adquirido, em princípio, para atender a demandas do DEPES. Para justificar sua aquisição e sua capacidade, imaginou-se implantar através dele também uma central de chamadas para atender às demandas da população. Um detalhe importante: o edital previa a instalação daquela central nas dez regionais do Banco.

Com a centralização, a tal central seria localizada apenas em Brasília, com atendimento automático e uma única equipe de funcionários daquela cidade para atendimentos personalizados. As denúncias formalizadas passariam a ser tratadas pela fiscalização. Nesse novo tratamento, passariam por uma triagem (também em Brasília) e aquelas julgadas merecedoras de atenção seriam encaminhadas ao corpo fiscalizador.

Para tanto, o pessoal e a estrutura hoje existentes comporiam um mero apêndice de um departamento a ser criado na área da DIFIS. O irônico é que o tal departamento teria como objeto a fiscalização de entes não-bancários, enquanto a maior parte da demanda do público é, justamente, contra os bancos!

Quais seriam as implicações futuras – Para quem conhece as demandas da população, como os funcionários das CAPs, o atendimento automático, como se pretende implementar, não vai chegar aos pés do que se faz hoje.

Pouquíssimas ligações tratam de questões técnicas, impessoais. A maior parte se refere a situações de vida real que o cidadão expõe. Após a análise, ele é informado sobre como proceder. Trata-se, muitas vezes, de pessoas de pouca instrução, que nem sabem explicar direito seu problema. Entra aí, como no atendimento aos demais cidadãos, o diferencial humano no tratamento com a população. E é quando o atendente decodifica e confirma ou não a existência de irregularidade na reclamação.

Como fariam cerca de 20 pessoas em Brasília para dar conta de uma demanda de 500 mil atendimentos/ano, mais uma demanda reprimida de igual tamanho? Com a ida do serviço para a Fiscalização, como ficaria o relacionamento com as instituições?

Hoje, denúncias e reclamações geram interpelações que são acompanhadas e têm prazos para respostas. No “atendedor automático”, a agilidade e a informalidade – características das CAPs – se perderiam, dando lugar a uma visão processualista, contratualista e normativista.

Indagações pertinentes que não foram feitas (além de não ter sido apresentada justificativa para a mudança):

Os servidores que atuam nas CAPs foram chamados a opinar ? Não, e consta que o assunto sequer foi discutido pela Diretoria do Banco.

A atividade, como exercida hoje, é onerosa para o BC? Não. Os custos são irrisórios. Representam apenas 6% do orçamento de uma regional de porte médio e não mais que 3% do custeio total do BC.

Quem ganha com a extinção das CAPs? Os bancos, que querem livrar-se tanto das interpelações sobre seus procedimentos como do peso que o ranking, suscitado com as centrais, adquiriu (e que incomoda tanto a Febraban).

Quem perde com a extinção das CAPs? O cidadão comum, principalmente, o próprio BC, que fecha seu canal humano com a população, deixando que apenas sua face técnica, impessoal e antipatizada – via COPOM – sobreviva.

Autonomia x BC clássico: discussão “proveitosa” – nitidamente, o debate sobre esse tema veio a calhar para os propósitos da Diretoria. Aproveitando-se da discussão, a direção do BC quer empurrar, goela abaixo da sociedade, o BC clássico. Aquele BC de primeiro mundo, que só cuida da estabilidade da moeda.

Ignora o oligopólio despudorado que os bancos construíram no Brasil. Ignora a orfandade do brasileiro, entregue à sanha lucrativa de juros e tarifas bancárias sem legislação que o proteja, e que permite às instituições nacionais os maiores lucros mundiais no setor.

Com efeito, o SINAL, na 20ª AND, aprovou a autonomia do Banco – operacional (não entendida como independente dos poderes constituídos da República), técnica e administrativo-financeira.

Aprovou também uma maior abertura do CMN a membros da sociedade e uma alteração fundamental no conceito de missão do BC: “Garantir a estabilidade da moeda com desenvolvimento econômico e social, a solidez do sistema financeiro brasileiro e a proteção da economia popular”.

Tudo isso motivado pelo sentimento de indignação contra esse formato de BC que tenta alijar a população de mais um instrumento de busca de seus direitos. A “reestruturação” das CAPs, nesse contexto oligopolista implacável, vai na contramão do resgate da cidadania, reiteradamente estimulado pela política do governo federal que aí está.

Esse é mais um passo que pretende o desmonte paulatino de todo o BC, até o desenho institucional final de banco central clássico. Um projeto que inclui a adequação de "ajustes" pontuais no bojo da implantação da "autonomia". Projeto esse que se esboça e traça aos poucos, mas que desconhecemos por completo e do qual a Diretoria nos quer afastados.

Essa tentativa de desmonte das CAPs é um retrocesso total na comunicação do Banco com a sociedade. É a aniquilação de uma ferramenta preciosa de divulgação dos serviços que o Banco pode prestar à população, com evidente prejuízo para a imagem do órgão.

As CAPs são a face humana visível do BC. Já “entra em campo” prejudicada porque não tem na mídia a mesma visibilidade de sua outra face: a do COPOM dos juros. Imagine se for transformada em 0800!

O SINAL, porém, está agindo contra isso – o sindicato está tomando uma série de providências para sustar mais esse equívoco provocado pela Direção do Banco Central na condução de suas funções perante a sociedade.

1 – Solicitamos formalmente, anteontem, do Presidente Meirelles, audiência urgente para tratar do assunto;

2 – Estamos em contato com entidades da área de defesa do consumidor;

3 – A imprensa está sendo acionada para a maior divulgação possível;

4 – Vimos mantendo contato com parlamentares ligados à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara federal.

 

Vamos cobrar em todas as frentes: os bancos não podem mandar no Banco Central – Desde a famigerada reestruturação de 1999, o Banco Central vem sendo gradativamente dirigido nesse sentido “purista” da garantia da estabilidade monetária e da solidez do sistema financeiro.

 

A “solidez” do oligopólio nacional é que tem sido favorecida por esse direcionamento, que esvazia o que poderia ser a missão-cidadã do Banco – a proteção da economia popular – num país onde o povo é o grande desprotegido das leis que regem o SFN.

 

O SINAL é contra a reestruturação das CAPs na forma como ela se está configurando. E vai fazer o que estiver em seu alcance para impedi-la.

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