Edição 0 - 20/12/2002

Síndrome de Estocolmo

Marcio Moreira Alves – O Globo – 20/12/2002
Luiz In cio Lula da Silva representou a esperan‡a de perto de 53 milhäes de eleitores. Esperan‡a de quˆ?

Esperan‡a de que cumprisse a promessa de ter uma pol¡tica econ“mica diferente da atual, que empobrece a popula‡Æo, torna o pa¡s vulner vel … especula‡Æo, reduz os sal rios, provoca o desemprego e gera recessÆo, al‚m de aumentar a infla‡Æo, sua £ltima justificativa.

E o que est  acontecendo? Os futuros gestores da economia, Ant“nio Palocci, ministro da Fazenda, e Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, repetem, palavra por palavra, os argumentos da atual equipe econ“mica.
At‚ acrescentam, propondo um mandato fixo para a diretoria do Banco Central, o que, num regime
presidencialista como o nosso, colocaria um grupo de tecnocratas acima do poder de decisÆo do presidente da Rep£blica, desrespeitando a vontade dos milhäes de eleitores que o elegeram.

Em 1973, no curso de um assalto a um banco, os assaltantes detiveram os funcion rios como ref‚ns. As negocia‡äes para solt -los duraram v rios dias. No momento da libera‡Æo, um fot¢grafo registrou o instante em que uma das prisioneiras beijava um dos seqestradores. Esse fato serviu para batizar de s¡ndrome de Estocolmo certas condutas estranhas, que demonstram afeto entre seqestradores e ref‚ns.  uma conduta que, desde entÆo, tem sido profundamente estudada por psic¢logos e psiquiatras nas Am‚ricas, especialmente na Col“mbia e nos Estados Unidos.

Segundo Emilio Meluk, autor de “El secuestro, una muerte suspendida”, que entrevistou 80 v¡timas: “A s¡ndrome de Estocolmo ‚ algo que a v¡tima do seqestro percebe, sente e crˆ que ‚ razo vel que seja dessa maneira, sem se dar conta da sua pr¢pria identifica‡Æo em sentir-se assim. Somente um observador externo poderia achar desproporcional e irracional que a v¡tima defenda e adote atitudes para desculpar os seqestradores e justificar os motivos que tiveram para seqestr -lo”.
A equipe econ“mica de Lula parece padecer da s¡ndrome de Estocolmo. NÆo s¢ aprova a continuidade das medidas adotadas pela equipe de Fernando Henrique e Pedro Malan, apesar de suas desastrosas conseqˆncias, como at‚ j  se dispäe a conservar uma das suas partes nevr lgicas. Henrique Meirelles anuncia que nÆo pretende alterar a diretoria do Banco Central, pelo menos ao longo dos primeiros meses do pr¢ximo governo. “Tive, desses t‚cnicos, as melhores referˆncias poss¡veis”, disse, sem especificar quem lhe deu essas referˆncias.

Dificilmente terÆo sido os economistas do PT, como o senador eleito Aloizio Mercadante, Guido Mantega ou Maria da Concei‡Æo Tavares ou mesmo os similares, como Carlos Lessa e Luiz Gonzaga Beluzzo.

Bresser Pereira comentou as altas taxas de juros na conferˆncia que fez no ciclo organizado pelo BNDES ao comemorar seus 50 anos de existˆncia. Disse:
– A alta taxa de juros dificulta os investimentos, promove o desequil¡brio fiscal e acaba em crise financeira, quando os credores se dÆo conta de que as altas taxas de juros, em vez de austeridade monet ria, estÆo amea‡ando a capacidade de honrar a d¡vida interna. Como a determina‡Æo da taxa de juros ‚ a £nica arma com que contam as autoridades monet rias para atingir as suas metas, h  sempre “boas razäes” para elev -la. Em um momento o objetivo ‚ atrair capitais de curto prazo, noutro ‚ impedir que a economia se aque‡a e o d‚ficit em conta corrente aumente em demasia, noutro ainda a busca de controlar a infla‡Æo de demanda, sem falar da m  razÆo: beneficiar quem vive de renda. Em 2001, a razÆo alegada foi o cumprimento da meta inflacion ria.

Est  claro que, se adotamos no Brasil uma taxa de juros b sica muito alta, e estamos sempre prontos a elev -la, estaremos indicando para o sistema financeiro internacional nossa pr¢pria desconfian‡a na economia nacional.

Ao tomar a decisÆo de elevar os juros em 2001, o Bnco Central voltou, em nome da estabilidade dos pre‡os, a desestabilizar gravemente a economia brasileira.

NÆo ‚ preciso ser economista para constatar o desastre nas contas internas e externas da pol¡tica de implantar os juros mais altos do planeta. Um m‚dico ou at‚ um mero jornalista sÆo capazes de chegar a essa evidˆncia.

H  alguns meses, quando o sistema banc rio internacional cortou os cr‚ditos para as empresas e o governo brasileiro, at‚ mesmo os garantidos por exporta‡äes, escrevi que o que se temia nÆo era o risco Lula, mas o risco Malan, de continuidade da pol¡tica econ“mica do governo Fernando Henrique. NÆo podia imaginar que, vencidas as elei‡äes, o governo Lula assumisse a continuidade acr¡tica do passado. Agora, sim, ‚ que a s¡ndrome de Estocolmo torna agudo o risco Lula.

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