Edição 0 - 10/01/2003

Combate à lavagem de dinheiro precisa de melhor interação entre BC

Carta Maior – Estefano Gimenez Nonato 08/01/2003

Para Luciano Feldens, do MPF, crit‚rios pol¡ticos na tomada de decisäes na  rea administrativa atrapalham atua‡Æo do MP. Ricardo Liao, do BC, aponta estrutura deficiente do ¢rgÆo como causa do trabalho ineficaz contra lavagem de dinheiro No dia 12 de dezembro, £ltimo dia do “Semin rio Internacional sobre Coopera‡Æo Judici ria e Combate … Lavagem de Dinheiro”, discutiu-se modos de efetivar uma melhor coordena‡Æo dos ¢rgÆos envolvidos no combate … lavagem de dinheiro, em especial entre o Minist‚rio P£blico e o Banco Central. De acordo com n£meros apresentados pelo juiz aposentado Walter Maierovitch e pelo delegado da Pol¡cia Federal Get£lio Bezerra dos Santos, estima-se que as drogas il¡citas
movimentam de 3% a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, correspondente a U$ 500 bilhäes,
segundo dados da Organiza‡Æo das Na‡äes Unidas (ONU). O crime organizado transnacional,
representado pelas organiza‡äes criminosas que atuam em diferentes atividades il¡citas, circula
valores entre U$ 600 bilhäes a U$ 1,5 trilhäes, de acordo com a £ltima estimativa do Fundo
Monet rio Internacional (FMI). No Brasil, por sua vez, o Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf) calcula em U$ 15 bilhäes os valores objetos de lavagem de dinheiro provenientes somente do com‚rcio de drogas il¡citas.
Em outro quadrante, conforme explicitado pelas autoridades presentes no segundo dia do evento da Associa‡Æo dos Ju¡zes Federais do Brasil (Ajufe), sÆo 11.023 as comunica‡äes de movimenta‡äes financeiras suspeitas feitas pelo Banco Central (BC) ao Coaf entre 1999 at‚ esse ano, que resultaram em cerca de 600 inqu‚ritos e pouqu¡ssimos casos de instaura‡Æo de a‡äes penais.
Apesar de haver poucos dados estat¡sticos no Brasil sobre o crime de lavagem de dinheiro, percebe-se a existˆncia de um descompasso entre o movimento de valores de origem il¡cita e o n£mero de casos investigados no pa¡s, que reconhecidamente, desde a estabiliza‡Æo monet ria, em 1995, tornou-se local de passagem de recursos il¡citos.
Ricardo Liao, chefe do Departamento de Combate a Il¡citos Cambiais e Financeiros do Banco
Central, nega que o n£mero de comunica‡äes feitas seja pouco, j  que as que ocorreram sÆo
informa‡äes mais requintadas, mais trabalhadas, e nÆo apenas mais uma. “Nos EUA, por exemplo,
como referˆncia internacional, h  duas situa‡äes de informa‡Æo: vocˆ tem a comunica‡Æo de toda
transa‡Æo acima de U$ 10 mil, de qualquer coisa, e h  os relat¢rios de transa‡äes suspeitas, que
independem de valor”, compara.
Liao aponta como razÆo da aparente inefic cia do trabalho do Banco Central a falta de estrutura para a autarquia dar conta dos cerca de 200 a 300 pedidos di rios e sucessivos de informa‡äes sobre movimenta‡äes financeiras de todas as naturezas do Poder Judici rio. Ainda que as altera‡äes promovidas pela Lei Complementar 105/2001, ao permitir o compartilhamento simultƒneo de informa‡äes entre o Banco Central e o Coaf, tenham facilitado um pouco o trabalho do BC, Liao ressalta que o cadastro £nico de correntistas aumentaria consideravelmente a eficiˆncia do ¢rgÆo.
No entanto, o custo da formula‡Æo desse sistema gira em torno de R$ 10 milhäes. “A implementa‡Æo
do cadastro £nico de correntistas ‚ uma questÆo or‡ament ria, que abrange aspectos pol¡ticos, saindo das mÆos do Banco Central o poder decis¢rio sobre ela”, afirma Liao.
Al‚m da falta do cadastro de correntistas e de uma melhor sinergia entre o Minist‚rio P£blico, Coaf e Banco Central, Liao indica que outra razÆo para a demora do Banco Central em atender …s solicita‡äes do Poder Judici rio ‚ a restri‡Æo de sua competˆncia, que se resume a informar se os registros das movimenta‡äes financeiras sÆo regulares, nÆo investigando a origem dos recursos. “Essa competˆncia foi transferida ao Coaf, que disporia de mais condi‡äes para reunir todas as informa‡äes e, com isso, para caracterizar ou nÆo o ind¡cio de crime de lavagem e crime antecedente”, explica.
O combate efetivo … lavagem de dinheiro enfrenta mais dois entraves, na opiniÆo de Luciano Feldens, procurador da Rep£blica no Rio Grande do Sul. Para ele, a reserva de informa‡Æo e vincula‡Æo do Poder Judici rio …s decisäes tomadas na esfera administrativa pelo BC ou pela Receita Federal, e, na esfera pr‚-processual, entre o BC e o Minist‚rio P£blico, causa grandes transtornos aos trabalhos nessa  rea.
Na rela‡Æo entre o Banco Central e o Minist‚rio P£blico, o primeiro, se verifica ind¡cios consistentes de pr tica delituosa, informa o segundo diretamente. No entanto, ressalva Feldens, esse poder informacional est  centralizado na mÆo do presidente do Banco Central, admitida a sua delega‡Æo apenas … Diretoria de Fiscaliza‡Æo, deixando a informa‡Æo a cargo de crit‚rios pol¡ticos. Neste contexto, segundo Ricardo Liao, o Banco Central comunicou ao Minist‚rio P£blico 53 movimenta‡äes com ind¡cios suficientes de irregularidades com base na Lei 9.613/98 e 307 com base na Lei 7.492/86, a Lei do Colarinho Branco.
“O dilema dessa estrutura ‚ que, enquanto isso ocorre, est  correndo o prazo de prescri‡Æo penal, porque n¢s sabemos o tempo que demora essas informa‡äes para flu¡rem nos escaninhos burocr ticos da Administra‡Æo P£blica brasileira, haja vista a sua complexa estratifica‡Æo”, explica Feldens.
De certa forma, essa situa‡Æo acarreta um outro problema, j  que, segundo Feldens, reestrutura a
l¢gica constitucional que faz residir a opinio delicti no Minist‚rio P£blico, o qual, depois, submete isso ao Poder Judici rio. “Na an lise pragm tica dessa situa‡Æo, o BC s¢ informa ao Minist‚rio P£blico aquilo que ele entende ser ind¡cio de crime. N¢s j  diagnosticamos in£meras situa‡äes em que, no m¡nimo, nÆo h  uma confluˆncia de entendimentos no campo do que seja ou nÆo uma infra‡Æo penal”, afirma.
O poder requisit¢rio do Minist‚rio P£blico perante o Banco Central ‚ outra forma de intera‡Æo entre os dois ¢rgÆos. Esse tipo de comunica‡Æo interinstitucional, na pr tica, ainda nÆo vigora, diz Feldens, “porque, via de regra, …s requisi‡äes do Minist‚rio P£blico ao BC sÆo opostos simplesmente o silˆncio e a ina‡Æo”. “A cr¡tica ‚ ao sistema, pois isto ‚ atribui‡Æo da Procuradoria Jur¡dica do ¢rgÆo, que nÆo informa ao Minist‚rio P£blico se nÆo h  uma interposi‡Æo jurisdicional requerendo essas informa‡äes”, justifica.
Nesse sentido, finaliza Feldens, “o combate efetivo … lavagem de dinheiro deve ser feito por meio de uma interpreta‡Æo mais leg¡tima e fora do conservadorismo tradicional, com os olhos na
Constitui‡Æo Federal, que nÆo traz apenas garantias e direitos individuais, mas tamb‚m direitos de segunda e terceira gera‡äes, sociais, coletivos e de garantias aptas de fazˆ-los efetivados igualmente”.

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