Edição 40 - 12/04/2006

08.04.1988: DEZENOVE DEMISSÕES NO BC

 A história da organização do funcionalismo  passa por sua página mais dramática.

O Conselho Nacional do SINAL recebeu, por intermédio de sua rede interna de comunicação, no dia 7 passado, de Getúlio, seu Diretor de Relações Inter-Sindicais, um depoimento emocionado. Falava da experiência de sua demissão, dezoito anos atrás, por fazer greve no Banco Central.

Foram dezenove os demitidos. Dezenove a ilustrar a página mais dramática da história da luta do funcionalismo do BC e das origens do SINAL.

Decidimos, após solicitar permissão ao colega – que permaneceu sinaleiro e dirigente convicto do SINAL, por todos os anos seguintes – resgatar, através de sua carta, um pedaço daquele momento histórico, e levá-lo ao conhecimento de quantos desconhecem as inúmeras vitórias, derrotas e percalços na formação do SINAL.

Estávamos em 88 e éramos ainda AFBC. O Presidente do Brasil era Sarney, com seu Plano Cruzado, de fevereiro de 1986, fazendo água por todos os lados. Aquela era a nossa segunda greve, por motivos meramente corporativos, uma vez que tínhamos entregue a pauta de reivindicações havia mais de 60 dias.

Na noite da véspera do dia escolhido para começar a greve, o Governo, de surpresa (como era de praxe), lança mais um plano econômico, que previa entre outras coisas o congelamento da URP.

No dia seguinte, mesmo com o cenário adverso, a AFBC encaminhou indicativo pela manutenção da greve, a que o funcionalismo aderiu. Era um tempo de assembléias tensas, mas concorridas e permeadas de forte união e determinação do funcionalismo.

Falava-se em 4.800 servidores, comissionados e não comissionados, engrossando a greve; ficamos na linha de fogo e o Governo tomou o BC como exemplo.

A mensagem de Getúlio foi dirigida aos seus pares de hoje. São memórias vivas de um tempo ainda autoritário. E que, por isso mesmo, deve ser levado a tantos novos funcionários do BC, que nem de longe suspeitam de quantas pedras se fez o longo caminho do SINAL até aqui.

Passados dezoito anos, deixamos registrada, através do depoimento desse Diretor do nosso Sindicato, a homenagem aos dezenove colegas. Seu passado se confunde com o passado do SINAL, sejam quais tenham sido as visões sindicais que viessem a ter posteriormente, todas elas dignas do nosso respeito. Foram todos reintegrados, depois de um movimento forte de solidariedade do funcionalismo, mas viveram momentos difíceis, que lhes deixaram marcas.

Não se está tratando aqui de buscar a canonização de quem quer que seja, mas de relembrar o risco que os retrocessos podem trazer, e estimular os que nos sucederem à permanente luta por dias melhores. É necessário saber-se que o legado de liberdade herdado pela geração atual teve um alto preço.

Aos dezenove colegas, a nossa homenagem.

Do Rio de Janeiro (seis): César Mendes de Almeida, Jorge Mello de Albuquerque, José Aloysio Guimarães Sanches, Laerte Silveira Porto, Mônica Pereira Pinto Botafogo Muniz e Rosimêre Fonseca de Moura.

De Brasília (cinco): Antônio Rego de Abreu, Eny Sérgio Toledo da Silva, Franklin Corrêa da Costa, Gilberto Celso Silveira Munhoz e José Ribamar Almeida Gomes.

De Belo Horizonte (três): Janete de Oliveira Reis, Márcia Silveira Barbosa e Mário Getúlio Vargas Etelvino.

De São Paulo (dois): Arivaldo Falcão Rodrigues e Edison Vítor Cardoni.

De Recife (dois): Manoel Camilo Brollo e Maria Sônia da Silva Bagno.

De Fortaleza (um): Ezildo Luiz Américo de Souza.

Aqui, o depoimento de Mário Getúlio
aos Conselheiros do SINAL:

"Como o tempo passa! Estava lembrando-me, ainda há pouco, do dia 7 de abril. Há exatos 18 anos, estávamos numa greve, a segunda dos funcionários do BC (a primeira havia sido em setembro de 1987).

O governo havia lançado um daqueles "pacotes" na noite do dia anterior e a nossa greve, por motivos meramente corporativos, com mais de 80% de adesão em todo o País, foi pega com as calças na mão. A ordem teria vindo do próprio presidente Sarney, em reunião com o Ministro Maílson da Nóbrega e o Presidente do BC, Elmo Camões: dezenove demissões (dizem que eram vinte; na última hora, alguém teria sido preservado).

O noticiário da noite do dia 7, uma quinta-feira, o primeiro dia de greve, deixava claro que o governo ia bater pesado. Ia dar o exemplo: não podia aceitar uma greve do BC no dia do "pacotão". Fui dormir, preocupado. Minha intuição apontava para o pior.

Acordei, ainda de madrugada, dia 8, uma sexta-feira como tantas outras, como esta em que escrevo, com um telefonema de uma colega do Nuinf, em serviço noturno, dando-me a má notícia: a portaria do Banco há havia saído, eram dezenove as demissões, eu estava nela, era o único comissionado e a lista já estava nos grandes jornais de circulação nacional. Fui primeira página no JB, Globo, Folha etc: os quinze minutos de fama da pior forma possível.

O que se seguiu foi um massacre: seis meses de um processo administrativo hediondo e de atitudes imorais, insensatas e covardes da administração regional. Tinha que comparecer ao Banco todos os dias para assinar o ponto. Chegaram a deixá-lo na portaria, para que eu não tivesse o "constrangimento" de entrar no edifício.

Acuado e amedrontado, com sentimento de culpa em relação à minha família, desabei: o possível líder desmoronou e deu lugar ao homem, frágil e assustado. Lembro-me de que minha esposa estava grávida do nosso segundo filho e teve, sabe-se lá como, de segurar a barra dela e a minha.

Meu outro filho, com um ano de idade – lembro-me como se fosse hoje – quando me via de cabeça baixa, levantava a mãozinha e tentava insistentemente empurrar meu rosto pra cima. Hoje, olho pra ele – já um homem, com quase vinte anos e fundamentos de ética e justiça social na cabeça -, e sinto que valeu a pena.

A Constituinte foi aprovada no dia 05.10.1988 e influenciou definitivamente no arquivamento do processo.

"Voltei ao Banco numa festa inesquecível. Mais do que o dia 8 de abril, ainda que viva cem anos, jamais esquecerei o dia 13.10.1988."

Duas semanas após, no dia 28, fundamos o SINAL. Depois de mais de uma década de luta pela sua organização, o funcionalismo do BC – como um conjunto de profissionais e cidadãos – finalmente conquistava um patrimônio político definitivo, na defesa de seus interesses.

Por que estou dizendo tudo isso a vocês? Um pouco pra explicar a paixão que tenho por esse Sindicato e a admiração que sinto por aqueles que o fazem e o dignificam. Fui fazer um email, vi a data de 7 de abril, lembrei-me do dia seguinte daquele distante ano de 1988 e quis dividir minhas lembranças com alguém que politicamente eu respeitasse e admirasse. Escolhi vocês, da Direção Nacional do SINAL, gestão 2005/2007.

Como o tempo passa!

Um abraço e bom final de semana a todos. Getúlio."

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