Edição 0 - 21/08/2003

Trechos da entrevista da Folha de SP com Fábio Konder Comparato

Da Folha de SÆo Paulo, extra¡mos alguns trechos da
"Entrevista da segunda", feita em 18 de agosto £ltimo com F bio Konder Comparato,
professor da USP, em que ele detalha a liga‡Æo da pol¡tica econ“mica do governo
com a reforma previdenci ria e o desemprego:

" preciso colocar a reforma no contexto da pol¡tica
econ“mica, que come‡ou com um erro catastr¢fico de avalia‡Æo. Em 1990, a
infla‡Æo m‚dia mundial ficou acima de 20%. Cinco anos depois, havia ca¡do para
menos da metade. O governo Lula, rec‚m-empossado, entronizou a infla‡Æo como
principal problema do pa¡s. H  consenso, no entanto, de que o principal
problema ‚ o endividamento p£blico
.

Procurou-se combater a infla‡Æo com redu‡Æo de despesas e
aumento dos juros – que agrava automaticamente o endividamento p£blico.
Fez-se uma terr¡vel hipoteca sobre todo o programa de governo
. (…)

Eles (integrantes da equipe econ“mica) foram nomeados numa
¢tica defasada, que ‚ a de considerar que se pode aplicar uma pol¡tica social
progressista com um pol¡tica econ“mica ultraconservadora
. (…)

(…) Governo nenhum tem o direito de aumentar o
desemprego e conduzir … ru¡na pequenas e m‚dias empresas apenas para arrumar
financeiramente a casa
.

Alguns pontos do texto aprovado (da reforma da Previdˆncia)
na Cƒmara sÆo perdidamente inconstitucionais. A taxa‡Æo dos inativos fere o
princ¡pio elementar do respeito ao direito adquirido. O mesmo ocorre com a
redu‡Æo das pensäes para familiares de segurados j  mortos
. Mais
importante, a Previdˆncia ‚ um direito fundamental. NÆo se pode mexer com isso
como se faz com os juros
. E a reforma, como o pr¢prio governo acabou por
reconhecer, nÆo foi feita para melhorar a situa‡Æo de quem depende da
Previdˆncia Social. Foi feita para melhorar a situa‡Æo de caixa
.

A tribut ria padece do mesmo v¡cio.  puramente fiscalista.
O Estado nÆo tributa apenas para obter recursos, mas tamb‚m para promover
justi‡a social. (…)

H  uma regra de ouro na democracia. O povo deve ser o
primeiro benefici rio e o principal colaborador das pol¡ticas governamentais
.
… eu queria dizer que o que se esperava e ainda se espera do governo Lula ‚
que ele tenha mais confian‡a no povo.

(grifos nossos)

Nessa mesma linha de pensamento – e ressaltando a reforma da
previdˆncia como a mais vis¡vel das incongruˆncias governamentais – veja o
artigo abaixo, do jornalista Milton Temer (n’O Globo de ontem):

Leitura dinƒmica das contradi‡äes

O cen rio do jogo nÆo ‚ corriqueiro. Numa ponta, Jos‚ Arthur
Gianotti, o mais provocativo dos intelectuais vinculados ao PSDB, mostrando, em
O Globo, seu enlevamento diante do governo Lula: ”(…) nÆo ‚ evidentemente um
governo de esquerda tal como n¢s t¡nhamos imaginado. Mas ‚ uma tentativa muito
s‚ria de fazer um governo social-democrata (…). Os fil¢sofos de esquerda foram
crucificados pelo apoio que deram ao governo Fernando Henrique. Mas com erros e
acertos era mais ou menos a dire‡Æo certa. Tanto ‚ assim que veio um governo
prometendo mundos e fundos, mas continua na mesma linha
.”

Na outra ponta, o argentino Atilio Boron, autor renomado,
secret rio-executivo do Conselho Latino-americano de Ciˆncias Sociais, falando
na Folha de S. Paulo sobre os ”mundos e fundos” das promessas de Lula, e a
possibilidade de retorno ao que dele, internacionalmente, se esperava: ”Espero
que sim, porque as pol¡ticas que o governo Lula est  seguindo nÆo sÆo
congruentes com a proposta do PT ao povo brasileir
o. SÆo pol¡ticas que vÆo
produzir um holocausto social e uma fenomenal crise econ“mica no Brasil. SÆo
pol¡ticas parecidas com as que se desenvolveram na Argentina, de altas taxas de
juros, concentra‡Æo de renda, confian‡a no fluxo de capital estrangeiro. Os
aduladores disseram de (Carlos) Menem o mesmo que dizem de Lula, e o resultado
vocˆs j  viram
.”

No meio-de-campo, em entrevista ao Fant stico, a principal
das v rias organizadas pelo Planalto para o final de semana, ‚ o pr¢prio
presidente Lula quem se destaca. Na decisÆo sobre a extensÆo das iniciativas,
nÆo vacila: ”Se algu‚m quiser ganhar alguma coisa apostando, recomendo que
aposte a favor do Palocci. O Palocci ‚ da minha mais inteira confian‡a. Ele nÆo
est  aqui porque quer, ele est  aqui porque eu quis que ele estivesse.” Disse
isso, evidentemente, com o pr¢prio Palocci dividindo o espa‡o na telinha. NÆo
era o que Boron gostaria ter ouvido, mas certamente foi um afago a mais para os
ouvidos de Gianotti. Principalmente quando, segunda-feira, e com exclusividade,
o Jornal do Brasil trazia entrevista do secret rio do Tesouro Nacional, Joaquim
Levy, deixando claro: o famigerado ajuste fiscal que, s¢ no primeiro semestre
de 2003, arrancou R$ 26 bilhäes dos programas sociais
(u‚, tirar dinheiro
da previdˆncia nÆo era coisa s¢ dos governos anteriores ?),
vai continuar
no mesmo ritmo em 2004. Ou seja, prioridade absoluta para os predadores do
”mercado”
.

Como conseqˆncia inevit vel dessa s‚rie de contradi‡äes,
nada mais ‚ surpreendente. Nem a reportagem exclusiva do JB, na festa em que o
deputado estadual Alessandro Molon lan‡ava a candidatura de Chico Alencar …
Prefeitura do Rio. Vladimir Palmeira, fundador do Partido dos Trabalhadores, e
durante muito tempo mentor intelectual e existencial do ex-militante combativo,
hoje rigoroso ministro-chefe da Casa Civil, Jos‚ Dirceu, anunciava em discurso
de sauda‡Æo. Vai deixar o partido. NÆo se conforma – logo ele, que nunca teve
ilusäes diante das limita‡äes do PT – com tÆo acentuada guinada ideol¢gica. E
com toneladas de razÆo
.

Partido moderado, mas minimamente reformista, ainda deixa
espa‡o de manobra para a militƒncia hist¢rica. Partido de origem classista,
com o socialismo registrado em programa, se transformando em agente
subalterno dos humores do ”mercado”, nÆo. Os que mantˆm a posi‡Æo hist¢rica
sÆo transformados em inimigos
. Nos bastidores, o que se sente pelo dito e
ouvido ‚ que nÆo vai s¢.

O tempo que se seguir  ao segundo turno da vota‡Æo das
mudan‡as constitucionais na Previdˆncia se torna, portanto, ansiosamente
aguardado
. O voto dos que se abstiveram na bancada petista deve ser
mantido. Dependendo da forma como reagir o governo, com a inexor vel
aprova‡Æo imediata da dire‡Æo partid ria, pode se suceder um desdobramento
traum tico
. Que mostrar  Vladimir – o que nÆo lhe escapa …s
caracter¡sticas – apenas como pioneiro de um movimento extens¡vel a boa parte
das tendˆncias internas do PT mais vinculadas aos movimentos sociais combativos.
Aos incautos, vale prevenir: ‚ bom se agarrar nos bala£stres, que vem solavanco
por a¡. (observa‡äes em it lico e grifos nossos)

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