VocÛ paga, n¾s acumulamos
Abaixo, uma nota pequena, que vale quase como uma par bola:
Vocˆ paga, n¢s acumulamos
ELIO GASPARI – Folha de SÆo Paulo, 22/06/2003
Lula tem toda razÆo quando diz que nÆo se pode
aceitar uma sociedade na qual "um cortador de cana tem que trabalhar 60 anos
para se aposentar", enquanto "um professor universit rio se aposenta com 53".
Admita-se que seja aceit vel Lula ter requerido uma
aposentadoria especial, aos 51 anos, como dirigente sindical perseguido pela
ditadura. Recebia R$ 2.195.40 em 1996 e receber R$ 3.976 a partir deste mˆs.
Fica dif¡cil entender que, no pa¡s do cortador de cana, ou onde "40 milhäes
de pessoas nÆo tˆm oportunidade de trabalhar", ele acumule essa aposentadoria
com o sal rio de presidente da Rep£blica (R$ 6.830,42 l¡quidos).
Houve dois Lulas na Previdˆncia. Um foi Taturana, o peÆo que
teve a carteira assinada em 1959, aos 14 anos. Esse trabalhador poderia ter
se aposentado aos 49, em 1994, com pouco mais de R$ 957, depois de passar 35
anos no chÆo da f brica. Estaria no regime geral da Previdˆncia, onde h hoje 21
milhäes de trabalhadores. O outro foi o sindicalista que militou entre os
metal£rgicos de SÆo Bernardo durante onze anos (1969-1980), at‚ ser preso e
afastado da institui‡Æo. Esse segundo Lula est hoje no grupo de 17.700
afortunados que recebem mais de 10 sal rios m¡nimos pelo regime geral.
Se a contribui‡Æo dos inativos passar no Congresso, eles nÆo pagarÆo um
ceitil, pois a cobran‡a cair s¢ sobre os aposentados do servi‡o p£blico.
Noves fora os cortadores de cana, os R$ 3.976 de Lula estÆo acima do teto da
choldra do INSS (R$ 1.869,34) e da m‚dia da patul‚ia dos funcion rios civis do
Executivo (R$ 2.200).
Desde janeiro, Lula est no clube da militƒncia cumulativa.
Ele soma os proventos de aposentado aos vencimentos de presidente. Juntou-se
(porque quis) a um time onde estiveram outros acumuladores: FFHH, Itamar Franco,
Jos‚ Sarney, os cinco generais da ditadura, mais Juscelino Kubitschek. Os
presidentes-aposentados tˆm como patrono Epit cio Pessoa (1918-1922). O doutor
livrou-se do pesado aos 47 anos, como ministro do Supremo. NÆo podia trabalhar
por ter m sa£de. Tornou-se presidente aos 53 e morreu aos 77.
Lula e todos os seus antecessores tiveram a oportunidade de
praticar um gesto l¢gico, respeitoso para com a Vi£va: enquanto ela lhes pagasse
sal rio de presidente, casa, comida e roupa lavada, devolveriam a grana da
aposentadoria. Terminado o mandato, voltariam a recebˆ-la. Isso nÆo
acontece porque na sociedade brasileira os benef¡cios nunca chegam ao andar dos
cortadores de cana e, quando passam pelo andar de cima, ningu‚m os solta, para
nada.
Em tempo: D. Pedro II recusou a pensÆo de dois mil contos
oferecidos por Rui Barbosa em nome dos golpistas que o destronaram. (os
grifos sÆo nossos)