Edição 86 - 01/10/2019

APITO CARIOCA – OS DOIS BANCOS CENTRAIS E O SONHO DE ÍCARO

A Lei nº 4.595, que criou o Banco Central do Brasil em 1964, foi apenas mais um capítulo da renhida luta entre instituições financeiras e governamentais pelo controle do poder monetário no país.

Por um lado, as relações históricas entre as autoridades monetárias e as autoridades fiscais sempre foram pouco transparentes, e seus canais de comunicação mantiveram-se mais ou menos ocultos. Por outro, as relações das autoridades monetárias e suas políticas com os bancos privados também nunca foram claramente definidas. No centro destas relações, o papel do Banco Central como autoridade monetária sempre foi objeto de acalorado debate.

A verdade é que apenas a partir da separação definitiva do Banco do Brasil, que começou em 1985 e só terminou na Constituição de 1988, o BACEN se tornou um real protagonista dentro desta luta. A proibição de financiar o Tesouro e a aprovação de seus diretores pelo Senado da República o tornou autônomo na prática. Para que o Banco fosse formalmente independente, faltaria apenas garantir a seus diretores mandatos fixos e a garantia de seu presidente não ser demitido durante seu mandato.

Na verdade, nem um Banco Central independente, nem um Banco Central subordinado, por si mesmos, estão imunes aos interesses privados. Uma instituição independente tem duas formas de adquirir sua legitimidade: a primeira, através da própria delegação de poderes que ela recebe do Legislativo, e a segunda, através de suas próprias ações. Um BACEN independente não o isola nem lhe garante uma ação neutra, mas, ao contrário, apenas acirra a disputa de grupos de interesse pela sua direção.

Ocorre que esta é uma história que é travada no “andar de cima” da instituição. No “andar de baixo” a história é, e sempre foi, bastante diferente.

Esta mesma Lei nº 4.595/64 colocou o Banco Central como uma Autarquia Especial, com privilégios e autonomia específicos dentro de um Estado Brasileiro tradicionalmente loteado por grupos de interesse. Por estar no centro do Sistema Financeiro Nacional, o seu funcionalismo nasceu com o DNA “bancário”, assim como o Banco do Brasil, durante muitos anos sua instituição-espelho. Celetista com jornada de trabalho de 6/8 horas conforme a necessidade, fundo de previdência e plano de saúde próprios, estrutura altamente hierarquizada.

O Plano Collor, em 1990, nos colocou na figura de vilões que prenderam a poupança popular do dia para a noite. Somente em 1994, com o advento do Plano Real, a instituição e seus servidores estiveram no auge da sua popularidade, quando engajados na materialização das condições que permitiram finalmente o controle da inflação.

Em uma terra em que a Justiça pode ser tudo, menos cega, o terremoto na carreira se deu com a decisão do STF, na ADIN nº 449-2-DF, que declarou, em agosto de 1996, a inconstitucionalidade do art. 251 da Lei 8.112/90, e a consequente mudança de regime dos servidores do BACEN, de celetistas para estatutários. A decisão retroagiu, todavia, os seus efeitos, à edição da Lei 8.112, em 1990, uma vez que o artigo foi considerado nulo.

Os efeitos racharam a Categoria, porém a consequência indelével foi que as carreiras do Banco Central foram atreladas ao destino do Serviço Público Federal.

Partiam-se as asas do funcionalismo.

O fim das Delegacias Regionais e a concentração do poder em Brasília teve sérias consequências nas carreiras de muitos servidores lotados nas regionais da instituição.

As posteriores reformas previdenciárias no serviço público passaram a criar as diferenciações de expectativas conforme o ano de entrada na instituição.

A partir da Assembleia Nacional Deliberativa de 2008, o SINAL buscou, na oportunidade criada pela perspectiva de regulamentação do art. 192 da Constituição, apresentar o projeto de lei “Sistema Financeiro Cidadão”. Um projeto de lei inovador que tratava da proposta de um Banco Central realmente independente, com base nos conceitos de desenvolvimento e cidadania para que esta independência se erguesse na legitimidade popular. O projeto não conseguiu caminhar favoravelmente no Congresso Nacional. Não era este tipo de independência que desejavam os grupos de interesse do Sistema Financeiro Nacional alojados naquela Casa.

Hoje, passados mais de 30 anos, o “andar de cima” anseia pelas asas que faltam ao seu arcabouço de um Banco Central independente.

Quanto a nós, no “andar de baixo”, o horizonte é bem menos róseo.

Pelo contrário, a reforma administrativa e demais penalizações na forma de alíquotas extraordinárias de previdência e demais encargos ameaçam descarrilar o futuro da Categoria.

A luta na parte “de baixo” é por uma real autonomia administrativa e financeira que possibilite ao Banco Central organizar seus quadros e processos de trabalho conforme suas necessidades.

Tal fato, todavia, só ocorrerá, se a alta administração da Casa se comprometer com a Categoria, ao invés de querer vê-la cada vez mais do alto.

Reproduzimos, a seguir, matéria publicada no Jornal
O Liberal, de Belém (PA), em 24.09.2019. 

 

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