Edição 145 – 30/9/2016
Seja individualista, sindicalize-se
Luiz Humberto Carrijo*
Estudo realizado, em 2013, por uma equipe da Michigan State University, chefiada pelo pesquisador Christoph Adami, demonstrou que a cooperação confere maior vantagem competitiva aos grupos. Mas nem todos parecem compartilhar dessa opinião. Apostam no individualismo para obter vantagens a curto prazo, ignorando que o resultado do comportamento egocêntrico enfraquece os grupos e, como efeito colateral, compromete ganhos pessoais. É na retórica do sucesso e do mérito individuais, que repousa o grande trunfo dos “normatizadores” econômicos e políticos, pois estimulam nessa visão de mundo o que já havia identificado o sociólogo Richard Sennet: o imediatismo, a fragmentação, o fosso entre as gerações, a indiferença e a alienação. Sem que percebamos, vivemos num regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os outros. Ou seja, é o velho conhecido “cada um por si”.
Exemplo diametralmente oposto, coletivos que trabalham em cooperação são melhor sucedidos, porque entenderam a regra de ouro da teoria do gene egoísta desenvolvida pelo biólogo evolucionista Richard Dawkins: para que seus interesses particulares sejam atendidos, o indivíduo precisa ser altruísta, mesmo que os motivos sejam egoístas. Trazendo esse princípio para a era digital, aplicativos como o Waze só funcionam, porque o usuário, para se beneficiar do serviço, precisa ser colaborativo.
A última campanha salarial de servidores do Banco Central é um bom modelo do que os cientistas levaram séculos para explicar. A aprovação e a sanção dos reajustes nos subsídios de analistas, técnicos e procuradores do Banco Central não foi obra do acaso nem de forças divinas. Muito menos, fruto da boa vontade do governo. A reposição parcial aconteceu por mérito dos servidores do órgão que se mobilizaram com protestos e manifestações, legitimando e orientando os rumos das negociações entre o Sindicato dos Funcionários do Banco Central e o Ministério do Planejamento.
Embora menor do que o justo e o reivindicado (a reposição foi 50% da inflação do período), o acordo foi selado em meio a maior crise institucional, política e econômica no Brasil desde o governo Collor. Considerando esse quadro e a condição de alvo e vilão da crise fiscal atribuída ao funcionalismo, a vitória parcial tem gosto doce. As colossais resistências não se arrefeceram. Ainda buscam interferir nas decisões de um governo fragilizado, que, por seu espectro transitório, vive acossado pelo mercado e pela imprensa. Tanto que acordos semelhantes de outras categorias (policiais federais, auditores e analistas da Receita Federal, diplomatas e ministros do Supremo Tribunal Federal) ainda não se materializaram até o final desta edição.
Na mesa de negociações, o governo mostrou que não se interessa por paridade ou isonomia entre as carreiras. Leva mais quem chora mais alto. Em outras palavras, se não houvesse mobilização e um sindicato legitimado, os servidores do BC teriam saído do mesmo jeito que entraram nas intermináveis e inúmeras rodadas no Ministério do Planejamento: sem um tostão a mais no bolso.
A pergunta é se os índices de reposição poderiam ter alcançado resultados mais significativos caso a adesão ao movimento tivesse sido maior, inclusive por parte dos cobiçados e estratégicos cargos de chefia e assessoria. Mas uma campanha salarial e por valorização da carreira não se faz espontaneamente. Ela precisa de coordenação, expertise, especialistas, muito suor e verve, com o suporte de assessorias parlamentar e de comunicação, de um órgão de classe, no caso, o sindicato. E não se fazem sindicatos sem sindicalizados. Nem há ganhos, sem sindicatos.
A relação de causa e efeito entre o grau de poder sindical, chancelado pela categoria, e o aumento salarial e de direitos é simples de entender e não se restringe aos servidores do Banco Central. É um fenômeno mundial. Reportagem do jornal Valor Econômico, no dia 30 de abril de 2014, revelou que o enfraquecimento dos sindicatos explica o aumento da disparidade de renda nos EUA nas últimas décadas. Professor da Universidade de Washington, Jake Rosenfeld diz que você não consegue entender a trajetória da desigualdade sem levar em conta o declínio das organizações de trabalhadores, num cenário de estagnação do rendimento dos assalariados, que se acentuou nos anos 1980.
A economia americana teve ganhos de eficiência expressivos, não acompanhados pelo rendimento dos trabalhadores. Entre 1973 e 2011, a produtividade no trabalho aumentou 80,4%, enquanto o salário real mediano subiu 10,7%, segundo números do Instituto de Política Econômica (EPI, na sigla em língua inglesa). Ao mesmo tempo, pelos dados de Rosenfeld e de Dean Baker, codiretor do Centro para a Pesquisa Econômica e de Políticas, a fatia dos trabalhadores sindicalizados foi de apenas 6,7%, em 2013, um nível fraquíssimo e bastante inferior aos pouco mais de 24% do começo dos anos 1970.
O que se pretende é que os servidores do BC, em particular os da nova geração, passem a ter atitudes colaborativas com o grupo, mesmo que movidos por interesses egoístas. A maneira mais eficiente de se fazer isso é aumentando o coro dos movimentos da categoria e valorizando o Sinal, porque todos se beneficiaram do esforço de apenas parte dos colegas na última campanha salarial. Como mostra o evolucionista Charles Darwin, é melhor não seguir o conselho do coronel Tamarindo em Canudos – “É tempo de murici, cada um que cuide de si” -, porque sem a cooperação, não se vai longe. Se o indivíduo não luta pelo grupo a que pertence, não serão o governo-patrão e outras categorias que farão isso por ele.