Edição 9 - 19/01/2009

Avanço insuficiente

DESAFIO  o Banco Central foi protagonista no controle da inflação, mas falta ousadia.

Por DAVID FALCÃO*

 O Banco Central tem sido protagonista no bem-sucedido processo de controle inflacionário, de estabilização e de fortalecimento da economia desde 1994.    Com o lançamento do Plano Real, houve a correta  formulação e  execução das políticas econômica e monetária além do saneamento do sistema financeiro.

Desde o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso o BC tem gozado de autonomia operacional de fato.    A experiência, apesar das diversas crises econômicas das recorrentes críticas à administração conservadora da taxa SELIC, pode ser classificada de positiva, pois a inflação foi controlada, e a economia  fortaleceu-se.   Passamos a crescer e ficamos menos vulnerável aos choques externos.   A relativa estabilidade econômica do Brasil diante da atual crise, a maior desde a Grande Depressão de 1929, é notável.

Passado o sucesso inicial do Plano Real, surgiram os "efeitos colaterais" da estabilidade, alguns na órbita do BC: o fim do "floating" bancário e os problemas decorrentes da sobrevalorização do Real.   As perdas de receita pelos bancos evidenciaram a falta de competitividade de muitos. Nacional, Econômico e Bamerindus, respeitados no Mercado Financeiro, ruiram. Para evitar a quebra generalizada do sistema financeiro, o BC idealizou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Sistema Financeiro Nacional (PROER) e aperfeiçoou os mecanismos de supervisão bancária. Apesar das pesadas críticas feitas à época, focadas, na alegação de uso de dinheiro público para sanear bancos particulares (quando na verdade resguardou o patrimônio de depositantes e de poupadores), as ações tomadas evitaram o colapso do Sistema Financeiro ao custo de 2% do PIB e iniciaram o processo de consolidação e fortalecimento dos bancos. Hoje colhemos os frutos de termos bancos saudáveis e bem estruturados. Em meio à enorme crise mundial, à parte alguns problemas de liquidez em moeda, o sistema está sólido.

Os constantes e crescentes déficits em conta-corrente, resultado da sobrevalorização do Real, foram fonte de preocupação no BC. Enfraquecido pelas diversas crises internacionais e quase sem reservas, o Brasil se viu obrigado a abandonar o sistema de bandas, em meio a uma enorme turbulência econômica e financeira. Estranhamente, nossas reservas cambiais foram minguando, até que a vitória de FHC estivesse garantida. Tivéssemos a autonomia do BC , certamente não chegaríamos a tal ponto.

No início de 1999, Armínio Fraga assumiu a presidência do BC, ganhou autonomia operacional de fato, apesar de informal, e teve início o processo de livre flutuação do câmbio e a adoção do regime de metas de inflação. As sementes da estabilidade são lançadas, mas caberá a outro presidente a colheita.

À medida que ficava clara a vitória de Lula na eleição presidencial de 2002, a turbulência aumentava com fuga de capitais e o dólar chegando próximo de R$ 4. Selada a esperada vitória, Lula decide "reconsiderar" o que vinha pregando em economia desde sempre, lança a Carta aos Brasileiros, e nomeia o banqueiro Henrique Meirelles para presidente do BC.  Lição: a falta de um mecanismo formal de transição gradual na área econômica tornou a troca normal no poder em forte crise.

O fato é que Lula manteve – e, em alguns aspectos aprofundou – a política econômica de FHC: superávits primários, câmbio flutuante, regime de metas de inflação e autonomia de fato do BC, onde a Diretoria colegiada mudou para que tudo permanecesse mais ou menos igual, para alguns, um pouco mais conservador. 

Consolidou-se na maioria dos atores sociais a percepção de que o país começou a colher frutos de políticas econômicas responsáveis de longo prazo, a maioria a cargo do BC. O reconhecimento do papel do BC na estabilidade abre espaço ao aperfeiçoamento institucional legal necessário à manutenção da estabilidade alcançada: a autonomia operacional do BC.
Quando se fala em autonomia, o consenso  é que a instituição deve ter liberdade para utilizar os instrumentos necessários para alcançar as metas de inflação estabelecidas pelo poder executivo, por meio do Conselho Monetário Nacional (CMN). Este é, porém,  apenas um dos aspectos da autonomia, que chamamos de autonomia operacional. A discussão só faz sentido se analisada em conjunto com todos seus aspectos. Além da autonomia operacional devemos discutir a ampliação da missão da Instituição, o aumento do controle social sobre o BC, a autonomia técnica dos funcionários da instituição e as autonomias orçamentária, administrativa e financeira.

O BC deve "garantir a estabilidade da moeda, com desenvolvimento econômico e social,  solidez do sistema financeiro brasileiro e  proteção da economia popular". O controle da inflação, conquista social importantíssima que mantém o poder de compra do cidadão, deve ser ponderado com o impacto das ações do BC no emprego e no produto. Precisamos de estabilidade com desenvolvimento. Não podemos interditar o debate, sob o argumento de que ambos os objetivos são inconciliáveis.

O BC não seria independente dos demais Poderes da República. A meta de inflação continuaria a ser definida pelo CMN, cabendo ao BC autonomia somente em relação aos mecanismos utilizados para alcançar a meta. Os mandatos para os diretores e o presidente da instituição seriam coincidentes com o do Presidente da República.    O presidente do BC semestralmente iria ao Congresso Nacional para prestar contas de sua administração. Outro aspecto relevante da nossa proposta refere-se à ampliação do CMN.  O Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal) propõe a participação no CMN, rebatizado de Conselho Monetário Brasileiro (CMB), de representantes da sociedade civil organizada: trabalhadores, consumidores de serviços bancários, funcionários do banco, indústria, comércio, agricultura, academia e sistema financeiro. A participação governamental passaria a incluir o Ministro do Trabalho e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A ampliação do CMN, com a  inclusão de membros da sociedade civil organizada não enfraqueceria o governo. Daria a ele mais legitimidade.

Para que o BC funcione realmente de maneira autônoma, deve estar livre de qualquer tentativa externa de pressão ou coação, seja do governo, seja do mercado financeiro. Defendemos a contratação de funcionários exclusivamente por concurso público. O raciocínio é especialmente aplicável à Diretoria Colegiada. Qual a independência de alguém que trabalhava no Mercado e para lá voltará carregando consigo todas as valiosas informações obtidas no BC? Nenhuma. A prática deve ser banida do BC ou no mínimo atenuada com o aumento da Quarentena de quatro meses para um ano. 

Outro aspecto relevante é a autonomia administrativa, financeira e orçamentária. Os exemplos recentes de estrangulamento operacional das Agências Reguladoras, por meio do contingenciamento de recursos pelo governo, somente realçam a importância do tema. A autonomia técnica das autarquias especiais está vinculada à autonomia financeira e orçamentária.   De nada adianta o mandato fixo de seus dirigentes e a ausência de subordinação hierárquica se os recursos destinados ao custeio das despesas necessárias ao funcionamento da entidade estiverem sujeitos a ingerências de terceiros.

É preciso avançar e implantar a autonomia operacional legal do BC, bem como ampliar a sua missão, incluindo a preocupação com o desenvolvimento do País e o  combate à inflação.   Aumentar o controle social sobre a instituição, certamente refrearia o conservadorismo na fixação da taxa SELIC. Tivéssemos implantado a autonomia há mais tempo, as crises  agudas no período FHC/Lula, poderiam, ter sido muito menores e os custos financeiros mais modestos.

 

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