Edição 103 - 05/10/2009

BC não vai fiscalizar operadoras de cartão de crédito

Segundo artigo do Correio Braziliense de 30.09.09, um grupo de trabalho constituído do BC, Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – decidiu que a regulamentação do setor de cartões de crédito vai ficar "… fora das asas do Banco Central".

A decisão se baseia em que "… o estímulo à concorrência e à maior transparência do setor pode ser obtido apenas mediante regras claras, expressas em lei, e complementadas por medidas de autorregulação que o setor se comprometeu a adotar". (grifo nosso)

Está provado, e mais que visto, que autorregulação de um setor econômico é um "delírio fantasioso".  Alguém ainda acredita que a "mão invisível" seja capaz de levar os homens a criar o estado de bem-estar geral?

Segundo o artigo do Correio, um técnico da área econômica afirmou que as empresas "… sentiram que a análise era para valer e que medidas duras poderiam ser adotadas".  Uma outra fonte do jornalista afirmou que, "… por isso,  decidiram colaborar" (grifos nossos).  Você acredita?  Nem nós.

Lembram-se todos da saga dos consórcios, sua proliferação, falcatruas e falências há alguns anos. Quantos prejudicados eles deixaram, em seu rastro de gerenciamento "autorregulado"?

Existiam e agiam numa "terra de ninguém", e foi a partir do arcabouço regulamentar organizado pelo BC, e as consequentes supervisão e fiscalização das empresas, que o setor expurgou seus vícios e firmou-se com a credibilidade que detém hoje.

Ademais, TODAS as empresas de cartão de crédito são vinculadas, obrigatoriamente, a uma organização bancária.  As duas maiores, Visanet e Redecard, a quatro dos maiores bancos do país.  Se o BC regula estes últimos, por que não essas parceiras, detentoras de uma ligação tão figadal com eles?

Cada comerciante paga em média R$100,00 mensais, por máquina, para operar com o cartão de crédito. Se um pequeno restaurante estiver operando com cartões de três bandeiras, sua despesa mensal será de R$ 300,00.

Além desse dispêndio, o negociante é obrigado a ver o seu faturamento via cartões – em média 80,00% dos seus negócios – reduzido, de cara, em quase 5%, percentual equivalente à taxa de administração.

 

Ademais, só recebe o dinheiro mensal obtido com os cartões TRINTA dias após a venda/prestação do serviço. Se quiser receber antes, tem que descontar esse seu faturamento em bancos. Paga por isso outra taxa, também elevada.

 

Com essa operação quase obrigatória – é duro esperar 30 dias pelo pagamento de um negócio já realizado – acontecem as vendas casadas: para negociar taxas melhores nos descontos desses recebíveis, os lojistas são obrigados a manter seu domicílio bancário na instituição que lhe oferece descontos mais atrativos.

 

Sabedores desse longo tempo de espera, e vítimas de custos sobrepostos, os lojistas acabam por inflacionar seus preços.  Como anulam, adicionalmente, a "gana" do consumidor por descontos em pagamentos à vista por outros meios.

 

Na indústria dos cartões, deveria haver o estímulo à concorrência como a restrição, entre outras, de práticas abusivas como as vendas casadas.

 

O elevado volume de dinheiro operado por cartões, incentivando o consumo, também não é um dado que deveria ser controlado pelo BC, assim como o crédito consignado?

 

As visões e interesses do consumidor, e as dos lojistas, são distintos.  Mas têm em comum, pela sua dinâmica, o crescimento e desenvolvimento da economia como um todo.

 

O controle do BC sobre o setor dos cartões de crédito se reveste, por isso mesmo, de uma importância cada vez maior, por envolver dois grandes segmentos que ficarão à mercê da dita "autorregulação" pelas próprias empresas.

No que tange ao consumidor, este é convidado a gastar, sem ter a quem recorrer em caso de prejuízo, além de saber que é inútil tentar fazer valer uma eventual economia prévia para comprar à vista, com desconto, por meio de cheque ou dinheiro.

Hoje em dia, como diz ainda o artigo do Correio, o "dinheiro plástico" cobra taxas três vezes superiores às do cheque especial, para compras não quitadas in totum na data da fatura.

Estão, ademais, no pódio dos campeões de reclamações junto aos serviços de proteção ao crédito.

O que será dos consumidores, com o incremento, ano a ano, das operações com cartões de crédito, paralelamente ao das queixas, se agora o setor está seguro de que ninguém vai "meter o bedelho" em suas operações?

O que existe hoje (e alguma coisa existe, imagine se não!), em matéria de regulamentação para as empresas de cartões de crédito, é baseado num estudo do BC, que levantou, em 2008 e em trezentas páginas, a indústria dos cartões de pagamento no Brasil.

O governo, apesar de sua tendência a deixar o setor autorregular-se, submeterá o tema ao Congresso Nacional, visto haver projetos sobre o assunto em tramitação.  Atualmente, nenhum órgão público o regula.

A tendência preferencial é pelo BC, como guardião dos sistemas de pagamentos, de acordo com a nossa conhecida Lei 4.595.

Um fato é verdadeiro: o Ministério Público afirma, na defesa de regulamentação para o setor, que há MILHARES de brasileiros com sua situação financeira INSOLVENTE por causa dos juros de cartões de crédito – aquela bola de neve que, depois de formada, é impossível deter ladeira abaixo.

Empresas de cartões de crédito devem, sim, ter supervisão e fiscalização rigorosas. 

O Ministério Público entrou na briga para que o BC assuma esse controle.  Assim como o SINAL, entende que nenhum Órgão é mais habilitado para exercê-lo do que o BC.

Também estaremos lutando para que isso aconteça.

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