Edição 0 - 17/02/2004

E AGORA, JOSÉ?

 


Os jornais e revistas do £ltimo domingo nÆo deixaram d£vidas sobre o assunto relevante da semana passada: a vergonhosa atua‡Æo do ex-assessor de confian‡a da Casa Civil, em suposto esquema de propina e financiamento de campanhas eleitorais em 2002.


 


Contrariando o que havia sido anunciado – o ministro Aldo Rebelo entregaria, em lugar do ministro Jos‚ Dirceu, a mensagem do Presidente­ da Rep£blica na abertu­ra oficial do Parlamento – o gover­no adotou a estrat‚gia da defesa em bloco.  Soltou antecipadamente os cachorros pra calar a boca da m¡dia e, como “quem nÆo deve nÆo teme”, o pr¢prio Dirceu foi ao plen rio do Senado, onde se instalou­ a segunda sessÆo legislati­va ordin ria da 52¦ Legislatura.


 


Atribuindo ao PSDB o “banho-maria” de um assunto passado, os caciques do partido da situa‡Æo defendem olimpicamente o gover­no, no qual nÆo teria sido apontada “nenhuma irregularidade”.  Isso ‚ uma meia-verdade, vistos, por exemplo­, os casos de Santo Andr‚ e as viagens de Benedita da Silva turbinadas com dinheiro p£blico  (adicione-se mais um caso, o da exonera‡Æo, ontem, do secret rio de Gilberto Gil, titular da pasta da Cultura, por suspeita de favorecimento a um instituto que pertence a amigos do ministro).


 


A repercussÆo do epis¢dio Waldomiro extrapolou fronteiras:  deu at‚ no New York Times que o escƒndalo “amea‡a engolir o governo de esquerda liderado pelo Partido dos Trabalhadores, que se apresentava como £nica for‡a limpa no obscuro mundo da pol¡tica brasileira“.  Domesticamente, todos sabemos que nÆo vai dar em nada.


 


Tanto que o discurso de defesa, un¡ssono e monoc¢rdico, foi repetido … exaustÆo, estrategicamente, tanto pelos l¡deres e membros do partido no Congresso, como por aliados de primeira hora (leia-se Jos‚ Sarney): os fatos sÆo anteriores ao governo atual, o assessor foi exonerado imediatamente, o caso remetido …s “autoridades competentes” e bl -bl -bl  …


 


Os exemplos de malversa‡Æo do dinheiro­ p£blico e de questäes ‚ticas jogadas para baixo do tapete estÆo pululando (sem trocadilhos, por favor) desde 2003.  A propina de “apenas 1% de x ” do assessor dire­to da Casa Civil atinge agora o f¡ga­do do governo.  Que, com o discurso moralizador e de conclama‡Æo … ‘ “solidariedade­ social” (at‚ agora s¢ cobrada dos servidores p£blicos) vem de obter vit¢ria escandalosa e in‚dita sobre direitos constitucionais hist¢ricos.


 


D  para acreditar que esse “1% de x” ‚ o £nico buraco desse queijo su¡‡o chamado Brasil?  D  para acreditar que, buraco tapado (por CPI ou nÆo;  “h  controv‚rsias”), o pa¡s decola, “sanado” e salvo, “no primeiro aviÆo com destino … felicidade”?


 


Pasmo, o brasileiro se torna a cada dia mais c‚tico, visto que o partido baluarte do purismo moral e ideol¢gico, al‚m de se vir rendendo paulatinamente a velhas e antes condenadas pr ticas pol¡ticas, come‡a a “fazer  gua” no seu n£cleo duro. 


 


 leg¡timo, inclusive, que se infiram outras situa‡äes j  havidas e at‚ supor o conhecimento do fato por Jos‚ Dirceu.  At‚ porque, como ‚ que se nomeia para um cargo de tanta relevƒncia um cidadÆo investigado pelo Minist‚rio P£blico desde o in¡cio de 2003?   grave o aconteci­do: havia um corrupto extorsionista no Planalto em que o n£cleo do poder confiava havia doze anos!  Uma CPI – honesta – talvez se impusesse, para tirar tudo a limpo.


 


Mas aumenta a descren‡a do povo nas institui‡äes.  Quem hoje päe f‚ no Judici rio, na pol¡cia em suas v rias formas institucionais, no corpo fiscalizador do Estado, depois das den£ncias seguidas e avassaladoras que tˆm vindo … tona?


 


Nesse contexto em que o povo ‚ tratado como cego, surdo e “trouxa”, d  para ser solid rio ao Presidente da Rep£blica, quando  pede aos empres rios que nÆo aumentem seus pre‡os, quando o pr¢prio Estado nÆo p ra de inventar e/ou aumentar taxas?


 


No frigir dos ovos da reforma tribut ria­, a despeito do discurso recorrente de que a carga de impostos permaneceria a mesma, o gover­no conseguiu trocar seis por bem mais do que meia d£zia: emplacou quase 100% sobre o percentual da COFINS, apesar da grita generaliza­da do mercado produtivo.


 


A sonega‡Æo passa a ser inevitavelmente o fruto dessa equa‡Æo tÆo perversa quanto antiga na cultura brasileira, cujas fei‡äes o brasileiro est  podendo ver cada vez mais nitidamente: um Estado voraz e mau gastador + corrup‡Æo desenfreada­ x institui‡äes coatoras desaparelhadas e/ou desacreditadas pela sociedade.


 


Para o ministro Dirceu, tudo deve continuar como antes.  A n¢s, brasileiros a quem s¢ cabe engolir essas hist¢rias sujas de bastidores, resta perguntar:  e agora, Jos‚, em que mato nos metemos,  n¢s que nem cachorros temos?


 

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